Interditada após operação, Refit teve a licença renovada no ano passado mesmo após parecer contrário
Enviado Terça, 30 de Setembro de 2025.Relatório apontou contaminação do solo e riscos de dano à saúde na refinaria, alvo de operação na última sexta-feira
Interditada na última sexta-feira pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) devido a irregularidades na compra e refinamento de gasolina, a Refit, em Manguinhos, no Rio, esteve em meio a uma polêmica no ano passado, quando teve sua licença de atuação mantida mesmo após um relatório apontar contaminação do solo e riscos de danos à saúde. Na época, as informações técnicas sobre a concentração de poluentes acima do limite permitido não foram consideradas pelo Instituto Estadual de Ambiente do Rio (Inea), que renovou a autorização de operação da refinaria.
A contaminação foi identificada pelo Relatório de Operação encomendado pela própria Refit no início de 2024. Como mostrou a TV Globo à época, o estudo encontrou concentrações de contaminantes, em 2023, acima dos valores de referência, principalmente de benzeno, etilbenzeno, tolueno, xileno, que podem causar câncer.
Em maio, um mês antes de a licença da refinaria expirar, ela acabou renovada sem a análise desse relatório. Na ocasião, quatro servidores do Inea foram exonerados diante de divergências internas. A Refit negou que houvesse contaminação, e disse que os dados retrataram uma situação específica sobre novos poços de bombeamento.
Na sexta-feira, supostas inconsistências técnicas voltaram a ser constatadas na Refit. Segundo a ANP, há suspeita de “importação irregular de gasolina”. Isso porque a refinaria adquiria uma substância chamada nafta, depois misturada com etanol, até ser vendida para os postos de gasolina. Além disso, faltariam evidências de que o refinamento de petróleo acontecia de fato, pelos dados operacionais internos.
‘Refinaria que não refina’
Guilherme Vinhas, advogado especialista em Óleo e Gás, explica que misturar nafta com etanol, como alternativa do refino, é um processo chamado de “formulação”, o que é proibido. A motivação para essa fraude seria o ganho tributário, pois, enquanto o imposto da gasolina refinada custa cerca de R$ 2 por litro, no caso da nafta a taxa cai para R$ 0,70 o litro, estima o advogado:
— A ANP está dizendo que a Refit é uma refinaria que não refina. O primeiro problema é regulatório, porque a formulação é uma atividade proibida. O segundo é tributário, e gera concorrência desleal contra as distribuidoras que recolhem imposto corretamente.
Essa vantagem tributária, analisam especialistas, é um elemento que poderia ligar a Refit ao esquema investigado pela Operação Carbono Oculto, que apontou que o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do país, lavaria dinheiro utilizando postos de gasolina. Ao baratear as atividades com o uso de nafta, a margem de ganho com a prática ilícita ficaria potencializada.
— Se quer lavar dinheiro, há uma margem enorme com essa redução tributária. Então, pode lavar e ainda vender mais barato do que a concorrência — afirma Guilherme Vinhas, que destaca ainda a alta dívida que a Refit tem, de cerca de R$ 11 bilhões com o estado do Rio, e de R$ 9 bilhões com São Paulo. — O cidadão e o mercado são os grandes perdedores.
Além das irregularidades tributárias, ambientais e operacionais, Jaques Paes, professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV, destaca os efeitos mais amplos do caso:
— A Operação Carbono Oculto evidencia que há combustível entrando no mercado sem a devida declaração. Na prática, é como se parte desse carbono deixasse de existir nos registros oficiais, o que gera emissões não rastreadas e compromete a formulação de políticas públicas, sobretudo as voltadas à transição energética. Em grande medida, é isso que dá sentido ao nome da operação: um carbono que circula, mas permanece invisível ao controle oficial.
Fonte: O Globo