36% das cidades brasileiras têm quadro fiscal ruim, mesmo com receita em alta

Enviado Quinta, 18 de Setembro de 2025.

Levantamento da Firjan mostra que arrecadação crescente sugere que qualidade do gasto municipal precisa ser mais bem avaliada

Os municípios brasileiros vivem uma “era de ouro” das receitas, com aumento dos repasses de recursos via Fundo de Participação de Municípios (FPM), Fundeb e emendas parlamentares, o que levou à melhora do cenário fiscal das cidades. Mas o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) mostra que essa conjuntura não evitou que 36% dos municípios do país fechassem 2024 com situação fiscal difícil ou crítica.

O IFGF, elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), analisou as contas de 5.129 municípios com base em dados declarados pelas prefeituras. Juntas, essas cidades representam 200,5 milhões de pessoas, ou 95,6% da população brasileira. Como resultado dessa “era de ouro” das receitas, o IFGF atingiu 0,6531 pontos, o maior da série histórica, iniciada em 2013. Foi a segunda vez que o IFGF ficou acima do 0,6 ponto, piso para a gestão da cidade ser considerada “boa” - em 2022 o IFGF havia sido de 0,6249.

Jonathas Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan, ressaltou que, apesar do melhor resultado, ainda falta ao país um “plano de voo”. Ele lembrou que, a partir de 2020, as receitas totais dos municípios vêm crescendo de forma consistente, com destaque para o avanço de 20,7% em 2022 e de 11,1% no ano passado, sempre frente ao ano anterior. Ele diz que esse processo na prática é um “novo federalismo fiscal”, mas afirma que falta planejamento para a distribuição dos recursos.

“A maneira como os recursos são distribuídos para as cidades nos faz pensar sobre a qualidade dos gastos. O federalismo fiscal não se mostra eficiente para reduzir a desigualdade entre os municípios”, diz Goulart. “Parece que há uma rediscussão do pacto federativo sem discussão em uma esfera mais ampla.”

Entre 2019 e 2024, os recursos do FPM subiram de R$ 120 bilhões para R$ 177 bilhões, enquanto as emendas cresceram de R$ 10,4 bilhões para R$ 31,2 bilhões. Também houve aumento dos recursos do Fundeb, de R$ 48 bilhões para R$ 87 bilhões. E o crescimento das receitas foi proporcionalmente mais relevante nas cidades pequenas, embora 57,6% da população do país viva em cidades com mais de 100 mil habitantes.

Mas Goulart alerta que 36% dos municípios do país ainda têm situação fiscal difícil ou crítica, o que equivale a uma população de 46 milhões de pessoas. O IFGF mostra que 10,4% das cidades tiveram resultado abaixo de 0,4 ponto, considerado crítico, e 25,5% ficaram entre 0,4 ponto e 0,6 ponto, patamar considerado difícil. Em 40,7% das cidades, o índice ficou entre 0,6 ponto e 0,8 ponto, situação considerada boa; e em 23,3% o resultado ficou acima de 0,8 ponto, considerado excelente. Os municípios com situação boa ou excelente, 64% do total, representam população de 155 milhões de pessoas.

O IFGF é formado por quatro subíndices, que avaliam liquidez, gastos com pessoal, investimentos e autonomia. O IGFG Liquidez médio, que analisa a capacidade das prefeituras de cumprir as obrigações financeiras, foi de 0,6689 ponto. Apesar de 60,5% das cidades estarem em situação boa ou excelente, Goulart alerta que 413 prefeituras, ou 8,1% do total, estão no “cheque especial”. Entre as capitais, Cuiabá, em Mato Grosso, é a única com IFGF abaixo de 0,4 ponto.

O IFGF Gastos com Pessoal, que analisa o peso da folha de salários, aposentadorias e pensões ficou em 0,7991 ponto na média. A pesquisa mostra que 540 prefeituras, ou 10,5% do total, gastam mais de 54% da receita com gastos de pessoal. Além disso, Goulart explica que, entre 2019 e 2024, as despesas de pessoal cresceram 29,1%, acima da inflação. A boa notícia é que 63,3% dos municípios - ou 3.248 cidades - tiveram resultado considerado excelente, acima de 0,8 ponto.

O IFGF mostrou que 938 cidades, ou 18,3% da amostra, investem, em média, 3,2% da receita, situação considerada crítica. Mas 45,3% dos municípios ficaram em patamar considerado excelente, com nota acima de 0,8 ponto. Entre 2019 e 2024, a alta das receitas levou 1.601 cidades ao patamar de 1 ponto no IFGF Investimentos, a nota máxima, o que equivale a investimentos de pelo menos 12% da receita total do município.

O pior desempenho entre os quatro componentes foi do IFGF Autonomia, com média de 0,4403 ponto. O subíndice avalia a capacidade de gerar receita para suprir despesas essenciais, que são os custeios da prefeitura e da câmara. A conta considera a receita local, com arrecadação de ISS, IPTU, ICMS e IPVA. E a pesquisa mostra que 52,8% dos municípios estão em situação crítica, com resultado abaixo de 0,4 ponto. No total, 1.282 cidades não geram recursos sequer para custear prefeitura e Câmara. Ainda assim, 1.453 municípios tiveram alta autonomia, maior número da série. “As cidades pequenas ainda vivem um quadro de alta dependência da União”, afirma Nayara Freire, especialista em estudos econômicos da Firjan.

Fonte: Valor Econômico