Contas municipais melhoram, mas gasto crescente nas prefeituras mostra urgência da Reforma Administrativa, aponta indicador da Firjan

Enviado Quinta, 18 de Setembro de 2025.

Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) atingiu em 2024 o maior nível da série, iniciada em 2013, por causa do crescimento contínuo das receitas das prefeituras desde 2020

A ampliação de receitas por causa de maiores repasses federais, de 2020 para cá, colocou as contas das prefeituras brasileiras no azul, no melhor desempenho em dez anos, mostram dados do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgados nesta quinta-feira pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).

Apesar do recorde positivo, a “era de ouro” das receitas municipais esconde crescimentos exponenciais nas despesas públicas e tem sido ineficaz para combater as desigualdades regionais no desenvolvimento econômico, avaliam economistas da Firjan.

Para eles, o crescimento significativo de despesas reforça a urgência da Reforma Administrativa e de uma melhor divisão da arrecadação tributária entre as diferentes esferas de governo.

Nos dados agregados, o IFGF médio do país ficou em 0,6531 em 2024, maior nível da série histórica, iniciada em 2013 — o indicador, de 0 a 1, é construído com dados das contas públicas, que todas as prefeituras são obrigadas, por lei, a enviar ao Tesouro Nacional, sendo 1 a melhor gestão.

Sessenta cidades tiveram a nota máxima. Vitória (ES) é a única capital no grupo — e Niterói, a única cidade fluminense. São Paulo, a segunda no ranking das capitais, ficou com nota 0,9467, na 218ª posição geral, logo acima de Salvador (BA), a terceira melhor capital e 220ª no ranking geral. O IFGF do Rio ficou em 0,7203, 19a maior nota entre as capitais, ficando na posição 2.029 no ranking geral.

O número de cidades com nível “excelente” (nota acima de 0,8 ponto) também atingiu o recorde de 1.196, ou 23,3% do total analisado. Como 40,7% ficaram com nível “bom” (de 0,6 a 0,8 ponto), a maioria dos municípios teve gestão boa ou excelente em 2024 — 439 ficaram de fora do estudo, porque não informaram os dados ao Tesouro Nacional no prazo legal ou passaram dados inconsistentes.

— Existe uma relação muito forte entre crescimento de receita e melhora da gestão fiscal nos municípios — afirmou Nayara Freire, especialista em Estudos Econômicos da Firjan.

Aumento de repasses turbina receita

Segundo o estudo do IFGF, embora um crescimento econômico acima do esperado tenha favorecido a arrecadação na tendência contínua de aumento das receitas públicas de 2020 em diante, que impulsionou o IFGF para o nível recorde, as prefeituras foram beneficiadas, principalmente, por aumentos nos repasses federais.

Apenas em 2024, a receita bruta dos municípios avançou 11,1%, após altas de 5,6% em 2023 e um salto de 20,7% em 2022, calcula a Firjan.

Em termos absolutos, o destaque no crescimento foi o Fundo de Participação dos Municípios (FPM, que redistribui tributos federais para as cidades menores), mas também cresceram os repasses via Fundeb (que direciona recursos para a educação) e via emendas parlamentares ao Orçamento da União.

— Tivemos um Congresso muito mais forte a partir de 2020, que acabou aprovando medidas de distribuição de recursos para estados e municípios. Estamos num novo federalismo fiscal, com mais distribuição de receitas — completou Naiara.

Os fundos tiveram mudanças recentes nas regras, com aumento da parcela destinada as prefeituras, enquanto as emendas cresceram na esteira das mudanças legais que as tornaram impositivas e por decisão do Congresso.

Aumento de repasses seguiu regra atual, pouco eficaz, diz economista

Por outro lado, o economista-chefe da Firjan, Jonathas Goulart, chamou a atenção para o fato de que esse aumento de receitas via repasses seguiu a lógica atual do FPM, de direcionar recursos para as cidades menores, sem critérios técnicos de eficiência. Desenhado junto com a Constituição Federal de 1988, esse modelo não surtiu o efeito de equilibrar as desigualdades regionais do desenvolvimento.

Um dos maiores impulsos na melhoria das contas das prefeituras captados pelo IFGF veio na componente de investimentos — com mais repasses federais, os governos municipais investiram mais, a ponto de 60% dos investimentos públicos em 2024 terem sido aplicados pelas cidades. De 2019 a 2024, com receita maior, os investimentos dos municípios quadruplicaram, segundo a Firjan.

O problema é que o aumento veio sem um foco na eficiência e na qualidade do investimento, disse Goulart:

— O crescimento do investimento foi feito numa lógica de distribuição do FPM. E está claro que o FPM não resolveu o problema do Brasil. O investimento público que aumentou, aumentou sem planejamento.

Baixa autonomia acende o alerta

A análise desagregada do IFGF traz outros alertas, segundo os economistas da Firjan. Um deles é o desempenho do subíndice IFGF Autonomia, que mede a capacidade de os municípios custearem, com a arrecadação própria de tributos, sem os repasses da União, a máquina administrativa, ou seja, salários e despesas da prefeitura e da Câmara de Vereadores.

Na média nacional, esse componente registrou 0,4403 ponto. É o segundo maior nível da série histórica, atrás apenas da leitura de 2021, mas esse subíndice sempre tem o menor nível do IFGF. Do total de municípios analisados em 2024, 52,8% ficaram com notas abaixo de 0,4, considerado "nível crítico" no estudo da Firjan.

Mais do que isso, 1.282 cidades não têm arrecadação suficiente para custear a prefeitura e a Câmara. É o caso, para Goulart, de se questionar se esses municípios deveriam mesmo ter governo autônomo.

Outro alerta: o IFGF Gasto com Pessoal melhorou porque as despesas com folha de salários e aposentadorias dos servidores ficou menor como proporção das receitas. As despesas de pessoal das prefeituras acumularam alta de 29% de 2019 a 2024, acima da inflação, calcula a Firjan. Ou seja, o componente só melhorou porque as receitas totais, via repasses federais, cresceram mais do que os gastos.

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), relator dos projetos de lei que compõem a Reforma Administrativa na Câmara, disse ao GLOBO na segunda-feira que quer incluir nas medidas uma regra para limitar os gastos com a máquina pública, incluindo o salário de prefeitos, o número de secretarias e as verbas de gabinete, no Legislativo, para deputados estaduais e vereadores.

Fonte: O Globo