Isenção ampla do IR pode comprometer equilíbrio fiscal, alerta Instituição Fiscal Independente
Enviado Sexta, 05 de Setembro de 2025.Consultores defendem que desoneração precisa vir acompanhada de imposto mínimo sobre altas rendas e tributação de dividendos
A proposta de reforma do Imposto de Renda em análise na Câmara pode se transformar em ameaça ao equilíbrio fiscal do país se não vier acompanhada das contrapartidas previstas.
O alerta foi feito nesta quarta-feira (3) por Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, durante audiência pública da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados designada para discutir o novo IR e a taxação sobre ricos.
Ele afirmou que a discussão sobre desoneração da base de contribuintes do IR não pode ignorar a situação estrutural das contas públicas.
"A IFI estima que fecharemos 2025 com déficit de 0,6% do PIB. O país não está no azul, está no vermelho. E precisa ter um processo de ajuste fiscal. De uma forma ou de outra, pelos caminhos que a Câmara e o Senado encontrarem, as compensações têm que existir. Não é possível abrir mão", afirmou Pestana.
O texto atual, relatado pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), eleva a faixa de isenção do IR de R$ 3.036 para R$ 5.000, com desconto parcial para rendas de até R$ 7.350. A compensação se dará pela criação do imposto mínimo para quem ganha a partir de R$ 50 mil mensais (cerca de R$ 600 mil anuais), com alíquota de 10% para quem ganha a partir de R$ 1,2 milhão ao ano.
Estima-se que as desonerações representem uma renúncia de R$ 25,8 bilhões anuais, montante que seria compensado com o imposto mínimo para não ampliar o déficit fiscal.
Embora a proposta avance no Congresso com consenso em torno da isenção, que agrada a diferentes espectros políticos pela popularidade da medida, setores como o agronegócio e o mercado financeiro pressionam para suavizar as contrapartidas voltadas aos mais ricos. Há também preocupação entre parlamentares sobre o impacto da mudança em estados e municípios, que dependem da arrecadação do imposto de renda para compor fundos de participação.
A audiência trouxe dados do estudo "Concentração de renda no Brasil: o que os dados do IRPF revelam?", do Instituto FiscalData, que reforçam a urgência de enfrentar a desigualdade no sistema tributário.
De 2017 a 2023, a fatia do 1% mais rico no total da renda nacional subiu de 20,4% para 24,3%. Dentro desse grupo, o 0,1% do topo —cerca de 150 mil pessoas— concentrou 85% do ganho observado, e o 0,01% (15 mil contribuintes) apropriou sozinho metade desse crescimento, com expansão média anual de 7,9%.
Marco Antônio de Oliveira, consultor legislativo da Câmara, destacou que a composição da renda no topo é marcada pelos ganhos de capital. Segundo ele, 90% do crescimento da renda do 0,1% mais rico no período veio de lucros e dividendos, dois terços deles diretamente distribuídos.
"Não tem como falar da taxação de ricos ou super-ricos sem falar em tributação de dividendos. Dividendos é o componente mais relevante da tributação dos ricos e, quanto mais você sobe no extrato da distribuição de renda, mais relevante é esse componente", afirmou.
Embora tenha avançado em comissão especial e já esteja em regime de urgência, o projeto ainda depende de acordo político para ser votado em plenário e da aprovação não apenas do benefício da isenção como das medidas que garantem sua sustentabilidade.
A oposição e parte do centrão se movimentam no Congresso para alterar o projeto, tendo como principal alvo a proposta de compensar a perda de arrecadação com a ampliação da cobrança sobre o estrato mais rico da população.
Fonte: Folha de S. Paulo