É preciso insistir numa reforma administrativa que enfrente o desafio de reduzir as despesas

Enviado Segunda, 01 de Setembro de 2025.

Buscar a reforma vai gerar muito desgaste político, não tenho dúvidas, mas quem está na vida pública deve buscar o melhor para o País, por mais difícil que seja

Notícia de presente

Na minha experiência na vida pública desde 2002, não vi um momento que fosse favorável à realização de uma reforma estrutural no País. Há sempre interesses contrários organizados, uma conjuntura desfavorável e um ambiente político conturbado. Mas, mesmo assim, nos últimos anos fizemos as reformas trabalhista, da Previdência e tributária. Por isso, acredito que vale a pena investir na reforma administrativa.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, anunciou que na quarta-feira, dia 3, haverá uma ampla discussão da proposta do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que tem 70 medidas. As ideias incluem fim de privilégios, de salários acima do teto constitucional, mudanças na progressão na carreira etc. Não quero entrar em minúcias, pois o projeto será alvo de longas discussões e modificado.

Meu ponto é o seguinte: é preciso insistir nessa reforma. Em 2017, quando eu era ministro da Fazenda, o governo Michel Temer estava a um ano das eleições e enfrentava dificuldades com a conjuntura política. Mas, com muita negociação, aprovamos a reforma trabalhista, que flexibilizou as relações de trabalho e hoje é apontada como um dos fatores para persistente baixo índice de desemprego, em 5,8%, segundo último dado do IBGE.

Participei da negociação desta reforma e de outra, da Previdência, que acabou aprovada em 2019, e livrou o País por alguns anos da inviabilidade orçamentária. A reforma administrativa pode ter efeito parecido, desde que ela enfrente o desafio de reduzir as despesas, que este ano serão de R$ 390 bilhões com pessoal e encargos. Importante lembrar que uma reforma administrativa pode ter um efeito secundário nos gastos previdenciários.

Não é possível manter a prática de, a cada ano, negociar reajustes menores com categorias ou buscar recursos no orçamento daqui e dali, fazer bloqueios e contingenciamentos, cortar investimentos, para conseguir pagar aumentos salariais. É preciso uma mudança estrutural que torne a máquina pública mais leve e eficiente.

As reformas que mencionei antes não tiveram apenas efeitos financeiros. Serviram também para atualizar a estrutura do Estado brasileiro. No caso da Previdência, não seria possível manter a idade de aposentadoria nos padrões anteriores, diante do aumento da expectativa de vida da população. Da mesma forma, a máquina estatal não pode funcionar como funcionava décadas atrás.

Investir na reforma administrativa vai gerar muito desgaste político, não tenho dúvidas. Mas quem está na vida pública deve buscar o melhor para o País, por mais difícil que seja.

- Henrique Meirelles: Ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda

Fonte: Estadão - Opinião