Simplicidade na reforma tributária e seu antagonismo com modelo punitivista do PLP 108

Enviado Segunda, 25 de Agosto de 2025.

Incongruências não podem passar despercebidas pelo Senado

A reforma tributária tem na sua essência e razão de ser a simplificação das regras tributárias. Está lá, expresso no art. 145, § 3º, e no art. 156-A, § 5º, IX, da Constituição Federal, e implícito em todas as discussões jurídicas que acompanham o assunto.

Com a conclusão da primeira etapa da regulamentação da reforma tributária e a publicação da Lei Complementar 214/25, com os seus não tão econômicos 544 artigos, foram definidas as bases gerais do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

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É inegável que o trabalho legislativo de reunião de diversos tributos em apenas dois, o IBS e a CBS, tem se mostrado o mais próximo possível do que se entende, e se espera, de uma simplificação tributária no Brasil.

Entretanto, parece caminhar na contramão desse princípio o texto da segunda etapa da regulamentação da reforma, consubstanciada no PLP 108/24, que ainda aguarda aprovação no Senado. Dentre dispositivos que tratam da criação do Comitê Gestor e dos procedimentos administrativos de cobrança surgem regras confusas e contraditórias sobre as sanções pelo descumprimento de obrigações tributárias.

No que diz respeito às sanções pelo descumprimento de obrigações principais, o art. 53 do PLP 108 estabelece a incidência de multa moratória de 0,33% ao dia, limitada a 20% do valor do IBS. Tais disposições apenas replicam o que já consta do art. 29 da Lei Complementar 214/25, sendo desnecessária a repetição dos dispositivos em diferentes normas.

Redundante quando se trata do descumprimento da obrigação principal, omisso quando a situação é de descumprimento de obrigações acessórias, especificamente relativas ao tributo federal, a CBS. O extenso rol de atos ilícitos previstos no art. 59 aplica-se unicamente ao IBS, não havendo norma específica que estabeleça as sanções aplicáveis à CBS.

Em razão dessa omissão na regulamentação da reforma, a solução para aplicação de sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias relacionadas à CBS precisará ser extraída de normas já existentes, como é o caso da MP 2158/01, que trata das sanções relativas aos tributos administrados pela Receita Federal, e, ainda, da Lei 8.218/91, que estabelece sanções pela inobservância de regras na utilização de sistemas de processamento eletrônico de dados.

Há uma clara distinção entre o tratamento punitivo que será dado aos dois tributos criados pela reforma: o IBS sujeitando-se às regras propostas pelo PLP nº 108/24, com múltiplas hipóteses punitivas, e a CBS tendo que se socorrer a normas preexistentes.

Essa distinção em matéria de sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias é incoerente com a ideia de que IBS e CBS seriam tributos gêmeos, e tende a perpetuar a insegurança jurídica que hoje já existe quanto à aplicação de diferentes tipos de multas sobre situações fáticas semelhantes.

Nesse particular, a complexidade do PLP 108 imporá aos contribuintes a manutenção de uma realidade que hoje já é insatisfatória, e que é objeto de diversos questionamentos no Judiciário, a exemplo do midiático Recurso Extraordinário 640.452/RO, vinculado ao Tema de Repercussão Geral 487, em que o Supremo Tribunal Federal definirá o teto da multa isolada pelo descumprimento de obrigações acessórias.

Veja-se o exemplo de um contribuinte que não presta esclarecimentos após intimação da Receita Federal. Nesse caso, nos termos do art. 57, II da MP 2158/01, aplicável à CBS, o contribuinte estaria sujeito a uma multa de R$ 500 por mês. Já no PLP 108/24, aplicável somente ao IBS, a mesma situação atrairia a incidência do inciso V do art. 59, segundo o qual a multa deverá ser exigida em 50 UPF/UBS, cujo valor unitário é de duzentos reais, conforme art. 55 do próprio PLP 108.

Ou seja, somente nesse cenário hipotético, teríamos uma multa de R$ 10 mil para o IBS, um valor 20 vezes superior à multa da CBS, calculada em R$ 500. E esse é apenas um dos muitos exemplos que podem ser utilizados para ilustrar essa distorção. Em resumo, a disparidade de sanções aplicáveis à CBS e ao IBS em decorrência de um mesmo ato ilícito gera insegurança jurídica e ofende a ideia de simplicidade.

Mais grave ainda é o fato de que o PLP 108 traz 36 diferentes situações de ilícitos tributários, passiveis das mais variadas sanções. Trata-se de uma quantidade exagerada de cominações, que poderiam ser simplificadas e reduzidas em tipos mais genéricos e abrangentes, evitando-se interpretações contraditórias e, claro, a judicialização.

Por exemplo. O texto elenca diferentes multas para as seguintes ações: (i) deixar de entregar ao fisco documento, na forma e prazo definido por lei; (ii) emitir documento com falta de requisito legal ou com indicação incorreta; (iii) entregar arquivos eletrônicos em desacordo com a lei do IBS e; (iv) consignar em documento fiscal que acobertar a operação importância diversa do efetivo valor da operação. Ou seja, a entrega de um documento fiscal com valor incorreto poderia enquadrar-se em qualquer uma dessas possibilidades

Qual é a vantagem da criação de uma estrutura normativa tão complexa, que se mantém apegada ao subjetivismo do modelo atual adotado para o ICMS?

O texto tenta abarcar um imenso rol de ações a acaba por se contradizer, na ânsia de cobrir todo e qualquer possível ato que possa ser considerado descumprimento de obrigações acessórias. Ora, se nem mesmo para os tributos federais havia esse nível de detalhamento, não parece fazer sentido que o PLP 108 o faça para o IBS.

A manutenção do trecho que cuida das sanções por descumprimento de obrigações acessórias, na atual redação, certamente levará a inúmeros conflitos tributários para a definição de qual a penalidade aplicável, bem como à discussão sobre potenciais desproporcionalidades entre as sanções aplicáveis ao IBS e à CBS.

Essas incongruências não podem passar despercebidas pelo Senado, a quem caberá aprimorar o texto do PLP 108 para uniformizar e simplificar as penalidades aplicáveis ao IBS e à CBS, garantindo-se o respeito ao princípio da simplicidade.

- Eduardo Borges Pinho: Sócio-conselheiro do Bichara Advogados

- Bruno Toledo Checchia: Sócio do Bichara Advogados

Fonte: Jota - Opinião