Tarifaço: Pacote ainda pode ter entraves fiscais, dizem especialistas
Enviado Sexta, 15 de Agosto de 2025.O pacote de socorro aos exportadores afetados pelo tarifaço de 50% do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os produtos brasileiros, anunciado na quarta-feira pelo governo federal, apesar de ir no caminho certo para proteger as empresas e os empregos, esbarra no compromisso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de manter algum equilíbrio nas contas públicas. Inicialmente, o impacto fiscal é de R$ 9,5 bilhões, mas os valores tendem a aumentar, dependendo da duração dos estímulos fiscais e de outros gastos que ainda não estão devidamente calculados, de acordo com especialistas.
Segundo o Ministério da Fazenda, o Projeto de Lei Complementar (PLN) para excluir os aportes aos fundos garantidores das metas fiscais para o cumprimento das regras fiscais, foi protocolado na noite de quarta-feira "por iniciativa do Congresso Nacional". Coube ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), protocolar o PLP) Nº 168/2025, que exclui R$ 9,5 bilhões em despesas do cálculo da meta fiscal. A iniciativa do senador "foi alinhada com o governo", de acordo com a assessoria do parlamentar.
A princípio, as medidas de aumento das despesas públicas previstas na medida provisória do Plano Brasil Soberano são o aporte de R$ 4,5 bilhões do Tesouro Nacional em fundos garantidores ligados aos bancos públicos e a renúncia fiscal de R$ 5 bilhões com o novo Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras), que prevê uma espécie de cashback de tributos embutidos no processo produtivo aos exportadores até 2026. Mas ainda resta saber o tamanho do subsídio nos juros da linha de crédito de R$ 30 bilhões com recursos do Fundo de Garantia à Exportação (FGE) que ainda precisa ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Esse custo do subsídio financeiro, mesmo ficando fora do cálculo do resultado primário, vai impactar diretamente na dívida pública bruta, que segue crescendo.
O impacto fiscal do pacote seria maior do que esses R$ 9,5 bilhões iniciais se o governo precisasse fazer um aporte de recursos no FGE para criar uma linha de crédito de socorro aos exportadores de R$ 30 bilhões. Em dezembro de 2024, o superavit financeiro desse fundo era de R$ 48,3 bilhões, portanto, recurso mais do que suficiente para bancar os empréstimos previstos. Mesmo assim, o aumento de despesas ajuda a minar a credibilidade do arcabouço fiscal que só vem sendo cumprido de forma contábil, por conta da retirada, por exemplo, do pagamento de precatórios — dívida judicial que não cabe recurso — do cálculo da meta fiscal.
Neste ano, por exemplo, o governo poderá descontar R$ 44 bilhões de gastos com o pagamento de precatórios. Vale lembrar que, em maio, apesar desse abatimento de gastos bilionário, a equipe econômica precisou bloquear R$ 31 bilhões em despesas para fechar as contas dentro das regras do arcabouço. A meta fiscal deste ano é de deficit primário zero, mas com tolerância de um rombo fiscal de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, R$ 31 bilhões.
Para piorar, o contínuo expediente do governo de retirar despesas consideradas extraordinárias do cálculo da meta fiscal tem gerado desconfiança do mercado financeiro — um dos maiores credores da dívida pública do governo federal — em relação ao discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o governo "continua comprometido com a responsabilidade fiscal". Além disso, o valor previsto no PLP é considerado baixo diante dos riscos fiscais que ainda não podem ser calculados. "Não há menção explícita, mas há um risco não desprezível de que o gasto seja, ao final do processo, maior do que o anunciado", alertou o especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos. "Apesar do tamanho relativamente modesto em termos de impacto fiscal, o PLP do senador Jaques Wagner, que propõe a retirada dos gastos da meta de resultado primário, reforça a preocupação do mercado com as ações e as medidas fiscais do governo, que tem feito declarações desencontradas", acrescentou.
Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), alertou que apenas retirar esses R$ 9,5 bilhões da meta fiscal, como prevê o PLP, não será suficiente, porque o Orçamento está sem espaço para acomodar choques de despesa. Segundo ele, ao desbloquear o contingenciamento em julho, o governo "sinalizou fortemente que está perseguindo o limite inferior da meta de primário de 2025". "O ideal seria utilizar as margens de tolerância na meta de primário que foram introduzidas pela Lei Complementar 200. Essas bandas foram criadas justamente com a intenção de acomodar choques sobre a política fiscal", defendeu.
Barros, da ARX, também criticou a busca do governo pelo piso da meta fiscal. "A banda de resultado primário foi criada sob a narrativa de que deveria absorver choques exógenos e inesperado", como o atual, mas ela não apenas não é utilizada na prática como a opção pela dedução das novas medidas da meta reitera a preferência revelada da administração atual de produzir expansão fiscal sempre que possível, fugindo a todo momento das restrições auto impostas no passado recente", criticou.
No caso dos créditos extraordinários que ainda podem ser solicitados pelo Executivo para novas medidas de ajuda, Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, ressaltou que o PLP do senador petista não estabelece um limite para a exclusão da meta fiscal, como foi feito no caso dos incentivos. "Outras medidas podem ainda ser tomadas em função da evolução dos acontecimentos, notadamente a reação do governo americano, a concretização dos efeitos do tarifaço e a pressão dos setores prejudicados", afirmou o ex-diretor-executivo da IFI. Ele destacou que existem mecanismos que serviriam para acomodar eventos imprevistos como esse do tarifaço, mas os espaços das reservas de contingência estão ocupados pelas emendas parlamentares e pelas demandas por mais gastos do próprio governo.
Fonte: Correio Braziliense