Estados que mais exportam para os EUA apostam em pacotes próprios para enfrentar o tarifaço
Enviado Quinta, 07 de Agosto de 2025.Medidas incluem crédito com juros baixos e uso de ICMS acumulado para setores mais afetados
Enquanto o governo federal ainda avalia o plano de socorro aos setores afetados pelo tarifaço de Donald Trump, ao menos cinco dos estados que mais exportam para o mercado americano trabalham de forma paralela, com pacotes próprios de alívio para as atividades econômicas mais afetadas pelas taxas que chegam a 50%. As medidas incluem linhas de crédito emergenciais com juros subsidiados, criação de fundos estaduais e pagamento de créditos retidos em impostos estaduais, como ICMS.
Mesmo considerando a lista de quase 700 isenções de tarifas determinadas por Trump, o tarifaço poderá reduzir em R$ 25,8 bilhões o Produto Interno Bruto (PIB) no curto prazo, segundo estimativa da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) divulgada nesta quarta-feira. O efeito, no entanto, varia para cada estado brasileiro, de acordo com o perfil da pauta exportadora e o grau de dependência do mercado americano.
Ceará e Espírito Santo estão entre os estados mais expostos ao tarifaço, quando considerada a proporção das exportações com destino aos EUA. No caso cearense, 44,9% das vendas externas têm como destino os Estados Unidos, por exemplo, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Em termos absolutos, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul estão entre os que mais vendem para o mercado americano, segundo dados do Comex Stat, sistema de estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, referentes a 2024. Desses, o único que não anunciou um pacote foi o estado capixaba.
Em São Paulo, dias depois de tentar uma espécie de “paradiplomacia” para negociar as tarifas com os EUA, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) criou uma primeira linha de crédito de R$ 200 milhões com juros subsidiados para empresas que vendem ao mercado americano.
O valor do crédito depois foi ampliado para R$ 400 milhões. No mesmo anúncio, feito na semana passada, o governo também anunciou a liberação de R$ 1,5 bilhão em créditos acumulados do ICMS, com prioridade para exportadores. Desse montante, cada empresa terá direito a R$ 120 milhões pagos em 10 parcelas. No ano pasado, o estado foi o que mais exportou para os EUA — um total de US$ 13,5 bilhões, o que representa 33,6% de tudo que o Brasil vendeu para o país.
Pacotes de alívio
Outros governadores que estão no páreo ou flertam com uma candidatura presidencial no próximo ano estão entre os que apresentaram soluções próprias que incluem liberação de crédito.
Na terça-feira, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), pré-candidato à presidência, anunciou um programa de até R$ 628 milhões em apoio a empresas exportadoras goianas, com metade do montante de Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS) e a outra parte de aportes de empresas do mercado financeiro.
Líder na exportação de café e ferro-gusa e produtos siderúrgicos, Minas Gerais, terceiro estado que mais vende para os EUA, também anunciou crédito para as empresas, no total de R$ 200 milhões. Outros R$ 100 milhões serão liberados em crédito do ICMS acumulado, segundo anunciou na semana passada o governador Romeu Zema (NOVO), que almeja disputar o Planalto em 2026 e tem acusado o presidente Lula de “provocar os EUA".
No Paraná, onde o setor madeireiro responde por quase 40% das exportações para os EUA, o governo estadual estruturou linhas emergenciais de financiamento via Fomento Paraná e BRDE, com recursos acima de R$ 400 milhões. Também prevê flexibilização de prazos de investimentos contratados e uso de créditos acumulados de ICMS como garantias. No ano passado, o estado governado por Ratinho Júnior exportou US$ 1,5 bilhão para os EUA.
Quinto maior exportador de produtos para os EUA, e um dos mais atingidos pelo tarifaço, o Rio Grande do Sul também lançou uma linha emergencial de R$ 100 milhões via Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). O anúncio foi feito pelo governador Eduardo Leite (PSD) há duas semanas. O programa, com juros subsidiados, carência de 12 meses e prazo de pagamento de até 60 meses, vale para empresas de todo o porte que tenham exportado para os EUA no ano passado ou no primeiro semestre deste ano.
Em um dos principais exportadores de pescado do país, produto que não foi poupado por Trump pelas tarifas mais altas, o Ceará tem diretrizes gerais para compensar as perdas de empresas, mas não apresentou detalhes do pacote. Nesta quarta-feira, o governador Elmano de Freitas (PT) divulgou que iria dar auxílio financeiro às empresas afetadas, ampliar a compra pública de produtos que seriam exportados e aumentar incentivos fiscais. Procurado, o governo cearense afirmou que está estudando os valores de cada medida.
Grupos de estudo
Apesar do peso nas exportações brasileiras para os EUA, Rio de Janeiro e Espírito Santo — respectivamente o segundo e o quarto maiores exportadores para o mercado americano — ainda não anunciaram ações específicas.
O governador Cláudio Castro (PL) criou na semana seguinte à divulgação da carta de Trump sobre as tarifas para o Brasil um grupo para avaliar os impactos das medidas na economia local. Procurado sobre a perspectiva de apresentação de medidas, o governo afirmou que realizou três reuniões e que “está ouvindo as entidades setoriais e empresas para que contribuam com diagnósticos e propostas".
O Espírito Santo também criou um comitê para lidar com as consequências do tarifaço, liderado pelo vice-governador Ricardo Ferraço (PSDB), que tem se reunido com setores como café e celulose. Procurado, o governo afirmou que, além de debater tratativas, o governo deve priorizar exportadores com relação com os EUA no novo plano de crédito rural de 2025, de R$ 8,98 bilhões. Ao GLOBO, Ferraço afirmou que o estado avalia a liberação de créditos acumulados de ICMS e estuda uma operação de crédito para microempresários e produtores familiares.
Para Marcelo Vitali, diretor da consultoria espanhola How2Go no Brasil, os planos estaduais e o programa federal de socorro podem e devem caminhar juntos, como medidas complementares.
— Essas políticas subnacionais de fomento ao comércio exterior, junto com a política nacional, se somam, não precisam concorrer. Mas essa é uma coordenação política de exportação, que precisa ser feita para além de casos emergenciais — ressalta Vitali. — Seria importante que os estados se atentassem que a pauta de exportação tem de ser cuidada sempre, com uma visão mais de longo prazo.
Santa Catarina, sexto maior exportador do país para os EUA, e a Paraíba, que tem 21,6% dos produtos vendidos para fora com destino ao mercado americano, não apresentaram planos de mitigação. Procurado, o governo de Jorginho Mello (PL), afirmou que irá apresentar um plano para empresas afetadas até esta sexta-feira, em conjunto com a Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC). A assessoria da secretária de Fazenda da Paraíba não retornou.
Fonte: O Globo