Do pré-sal ao sol: como o Rio abre novas frentes para atrair projetos de transição energética

Enviado Quinta, 07 de Agosto de 2025.

Estado estuda ampliar incentivos para fontes renováveis de energia, que foram tema ontem de evento do Diálogos RJ

Berço da indústria do petróleo no Brasil, o Rio de Janeiro tem condições de também exercer um papel central na transição energética do país, no momento em que o mundo precisa reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

Além do compromisso com o futuro, essa mudança abre oportunidades econômicas para um estado dependente da indústria de óleo e gás.

Para além das fontes renováveis de energia mais conhecidas, como o etanol, a eólica e a solar, há outros caminhos para atrair para o estado investimentos relacionados à transição energética. Entre eles estão a energia solar térmica, a geração eólica offshore (em alto-mar) e até a captura de dióxido de carbono (CO2) no litoral, sem falar no aumento da produção de biogás de resíduos e gás natural, combustível fóssil que gera menos emissões e é chave na transição.

Essas foram as conclusões de autoridades, especialistas e executivos ligados ao setor que participaram ontem do debate “Transição energética: como o Rio enfrenta o desafio de reduzir os combustíveis fósseis”, o terceiro promovido pelo GLOBO neste ano na série Diálogos RJ.

Quer ver como foi o evento? 

O secretário estadual de Energia e Economia do Mar, Cássio Coelho, afirmou que o Estado do Rio estuda ampliar incentivos às inovações energéticas que possam gerar mais investimentos e empregos.

Ainda que concorde com os outros participantes que o petróleo seguirá em uso no planeta por mais algumas décadas, Coelho afirmou que a própria criação de sua secretaria expressa o interesse do governo estadual de ir além.

— Hoje vejo o Rio avançando como a capital da diversidade energética — resumiu o secretário no debate, que foi mediado pela repórter especial do GLOBO Ana Lucia Azevedo.

Danielle Johann, diretora-executiva da Associação Brasileira de Energia Solar Térmica (Abrasol), chamou a atenção para a energia solar térmica. Apesar de os painéis fotovoltaicos, na chamada geração distribuída de eletricidade, já terem se popularizado entre unidades residenciais, comércios e indústrias, a energia solar para aquecimento ainda é quase inexplorada no Rio.

E o potencial é enorme: em todo o país, 7% do consumo de energia entre 17h e 20h servem para aquecer água em chuveiros elétricos, ela destacou. O aquecimento solar poderia substituir essa energia cara com custo bem menor. A tecnologia pode dar ao consumidor uma economia de 40% a 50% na conta de luz, de acordo com cálculos da Abrasol.

A expansão da geração solar térmica, porém, depende de políticas públicas de estímulo, disse a executiva, para que coletores térmicos dividam espaço com os fotovoltaicos em projetos residenciais e também industriais. Ela citou incentivos já existentes em Minas Gerais e São Paulo, assim como no programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. Há conversas com o governo do Rio, ela revelou:

— Na indústria, por exemplo, 80% do consumo de energia é para aquecimento. E, desse total, 35% é para alcançar até 100° C, o que a energia solar térmica pode entregar de forma mais eficiente. É fácil de instalar e com vida útil de mais de 30 anos. No Rio, temos uma insolação que é absolutamente das melhores do Brasil.

Aerogeradores no mar

No médio prazo, outra alternativa para o Rio é a geração eólica em alto-mar. Rafael Palhares Simoncelli, diretor de Desenvolvimento de Negócios Brasil e América do Sul na Ocean Winds — empresa dedicada à energia eólica offshore — destacou que a modalidade é uma das grandes “alavancas” da transição energética no mundo atualmente.

No entanto, ele admitiu que, diante do processo de regulamentação do setor ainda em curso no governo federal — passo seguinte à aprovação do marco legal no Congresso, no ano passado — e o enorme potencial que o Brasil ainda tem para os aerogeradores em terra, mais baratos, a viabilidade comercial da geração no mar só deve ser alcançada no início da próxima década.

Enquanto isso, a companhia desenvolve projetos pilotos que somam 15 GW no Brasil, sendo 5 GW no Rio, em meio às iniciativas de outras empresas.

— O Rio tem alguns predicados: academia pujante, muitas empresas do setor e bons ventos, mas o principal é a infraestrutura de óleo e gás, que pode ser muito facilmente aproveitada por parques eólicos offshore — afirmou o executivo.

Uma das empresas que também investe nessa área no Brasil é a petroleira norueguesa Equinor, que teve iniciativas de seu plano para alcançar a neutralidade de carbono até 2050 apresentadas no evento pelo seu diretor de Operações Compartilhadas, Paulo Van der Ven. A empresa adquiriu a Rio Energy em 2023 para se tornar sua plataforma de desenvolvimento de projetos renováveis no Brasil.

Pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel)/IE/UFRJ, Nivalde de Castro destacou que a capacidade instalada de energia elétrica no Brasil é de 200 mil MW, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O potencial ainda inexplorado com as fontes solar e eólica é estimado em nada menos que 1,3 milhão MW. Para o professor, este cenário dá ao Rio uma dupla chance: atrair e incentivar investimentos em geração e também em armazenamento de energia em baterias.

— A oferta (de energia) cresce muito acima da demanda, precisamos de armazenamento. É preciso desenvolver uma cadeia produtiva para baterias. É importante aproveitar esta oportunidade, sair na frente, porque não é uma necessidade para amanhã, mas para hoje — disse, destacando o hidrogênio como outra promessa.

Para se alcançar a meta de zerar emissões de carbono até 2050, assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, é imprescindível que se invista também na captura de CO₂, apontou Maurício Tolmasquim, conselheiro da Eletrobras, ex-diretor da Petrobras e ex-presidente da EPE.

Ele explicou que o Rio já tem experiência nisso no processo de extração de petróleo pela Petrobras e reúne condições geográficas ideais para investir especificamente neste serviço no litoral.

Essa solução consiste, em linhas gerais, no sequestro do gás carbônico de fontes emissoras (como indústrias) para, depois, comprimi-lo e injetá-lo em rochas profundas.

Experiência acumulada

Hoje a Petrobras extrai o CO₂ do petróleo e o reinsere nos poços. A nova fronteira seria adotar essa solução em outras formações geológicas, como os aquíferos salinos ao longo da costa, o que possibilitaria a captura de até 20 milhões de toneladas de CO₂ por ano, nas contas do especialista:

— Isso é muita coisa. A grande vantagem é capturar o CO₂ de atividades produtivas em terra, como as de refinarias e siderúrgicas, e injetá-lo nos aquíferos salinos na costa do Rio, evitando que o gás vá para a atmosfera. É um ativo que o país tem que deve ser explorado, e o Rio tem um potencial muito grande.

Essa não é só uma solução ambiental, mas também um negócio já em prática na Europa, contou Van der Ven:

— Capturamos o CO₂ de indústrias da Europa continental e da Inglaterra e levamos para o Mar do Norte, somente para fazer o descarte desse CO₂ em aquíferos salinos, que são licenciados para esta finalidade pelo governo da Noruega. Estamos prontos para trazer a nossa expertise internacional (para o Brasil).

Tolmasquim lembrou que, hoje, 75% das emissões de gases do efeito estufa no mundo vêm do setor de energia. No Brasil, no entanto, essa proporção é de apenas 18%, enquanto 24% vêm da agropecuária e 50%, do desmatamento, completou Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES.

— A tecnologia mais barata para capturar carbono é a árvore. O Brasil tem 100 milhões de hectares de terra degradadas. Para o país ser neutro em carbono e cumprir o Acordo de Paris, precisamos zerar o desmatamento ilegal e avançar em restauração. Sem isso, podemos fazer o que quisermos no setor energético, na indústria, no transporte, e não bastará.

A executiva defendeu que, para isso, são necessários investimentos públicos e privados focados em soluções baseadas na natureza. Como gestor do Fundo Clima, o banco estatal tem aumentado os recursos para financiar projetos nesse sentido.

— Recebemos, no ano passado, R$ 10 bilhões, e e esse ano já temos mais R$ 10 bilhões. Só que recursos públicos não são suficientes para o volume de investimentos que o país precisa. Temos usado o nosso DNA de fomento e trabalhado muito em conjunto com o mercado de capitais e com bancos privados para isso. Quando a gente ancora uma operação, o BNDES dá um selo de qualidade. É o nosso papel catalítico.

Para Nivalde de Castro, o BNDES, como principal financiador dos investimentos em energia no Brasil e no mundo, completa o arco de recursos que o Rio tem para liderar o avanço da transição energética no país.

Fonte: O Globo