GT da reforma administrativa apresenta texto mais "maduro", mas desidratado

Enviado Segunda, 04 de Agosto de 2025.

Sem tratar de supersalários, proposta deve ter anteprojetos apresentados na Câmara este mês. Sindicato critica indefinição

A reforma administrativa, que está sendo elaborada pelo Congresso Nacional em parceria com o governo federal, deve ser discutida pela Câmara ainda neste ano, com anteprojetos prontos para apresentação a partir de agosto, na retomada dos trabalhos após duas semanas de recesso. Segundo o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que coordenou o grupo de trabalho responsável por debater o tema, a ideia é criar um "rito político" para amadurecer a proposta e então levá-la ao debate entre os parlamentares. De histórico conturbado no Brasil, propostas anteriores da reforma enfrentaram resistência de sindicatos e servidores públicos. Com essa, que promete não mexer nos supersalários nem na estabilidade, não é diferente.

Pedro Paulo destacou que a reforma não pretende retirar direitos dos servidores, como a estabilidade, nem reduzir o tamanho do Estado. "O principal objetivo é dar as balizas para um Estado mais eficiente", garantiu em coletiva de imprensa convocada em julho.

"Queremos que a proposta esteja mais amadurecida na política antes de um debate público amplo", disse o coordenador do GT. A reforma será apresentada por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar (PLP) e um projeto de lei ordinária (PL). Na perspectiva do parlamentar, os textos assegurarão os direitos dos servidores e a estabilidade dos funcionários públicos.

Ainda de acordo com o relator, os anteprojetos da reforma administrativa incluem a implementação de identidade única, ato digital obrigatório e rastreável, meritocracia com planejamento estratégico, indicadores e bônus por metas. Também está previsto o concurso nacional unificado para estados e municípios.

A identidade única, segundo ele, permitirá que cidadãos tenham acesso a diferentes serviços públicos com um único documento digital. Já o sistema de meritocracia incluirá avaliação de desempenho baseada em indicadores específicos, com bônus salariais para servidores que atingirem metas estabelecidas.

Embora não tenha como finalidade primordial um ajuste nas contas públicas, disse o parlamentar, os anteprojetos "poderão trazer algumas correções importantes no Orçamento público".

O tema dos supersalários, por sua vez, "não será tratado em nenhum anteprojeto a ser apresentado". A posição contrasta com a pressão de especialistas e da sociedade civil, que consideram o assunto central para qualquer reforma administrativa efetiva.
Em contrapartida, o coordenador do GT propõe a criação de uma tabela nacional do serviço público com a remuneração de todos os servidores e transição de 10 anos para unificação de carreiras e salários. A medida visa "mais transparência e correção de desigualdades".

A ausência do debate sobre supersalários, na avaliação do economista Bruno Carazza, que é professor da Fundação Dom Cabral, desfalca o texto e corrobora o atual estado "desigual" do serviço público. De acordo com ele, a distorção salarial não vem de uma remuneração média alta. "Pelo contrário, o maior número dos servidores públicos, como os profissionais da educação, da saúde, da segurança, recebem rendimentos muito baixos", afirmou.

Para o especialista, no entanto, existem carreiras "muito específicas" no serviço público que se articulam para burlar o teto constitucional de R$ 46.366,19 — salário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — e conseguem remunerações por meio de auxílios e penduricalhos. Trata-se de "um grupo muito restrito de servidores que estão conseguindo burlar a Constituição e estão recebendo salários (remunerações) de milhões de reais por ano e em descumprimento à Constituição (teto constitucional)", disse o economista, que exemplificou o cenário com carreiras como as do Ministério Público, da advocacia pública e a de juízes.

Essas categorias conseguem "burlam" o teto constitucional, segundo Carazza, por meio da criação de auxílios e benefícios indenizatórios. "Exploram uma brecha que existe na Constituição que estabelece que os pagamentos indenizatórios, como as diárias de viagem, por exemplo, não estão sujeitas ao teto constitucional", apontou.

Autor do livro O país dos privilégios — Os novos e velhos donos do poder, ele também contribuiu para uma pesquisa publicada no mês passado que apontou que os gastos do Judiciário com remunerações acima do limite constitucional aumentaram 49,3% entre 2023 e 2024.

O valor "extrateto" saltou de R$ 7 bilhões para R$ 10,5 bilhões em apenas um ano. Essa constatação, publicada por meio de um estudo do Movimento Pessoas à Frente — organização suprapartidária que propõe melhorias na gestão do serviço público — foi feita com base nos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O levantamento expôs o avanço dos chamados penduricalhos — verbas indenizatórias e adicionais que permitem aos magistrados receber além do teto legal do funcionalismo público.

De acordo com Jessika Moreira, diretora-executiva do Pessoas à Frente, os supersalários devem ser "freados com urgência". "O dinheiro público precisa ser usado em benefício da população, e não como privilégio de uma minoria de servidores públicos", defendeu.

Estabilidade

A reforma administrativa, garantiu o deputado Pedro Paulo, não mexerá na estabilidade do funcionário público, outro ponto importante do texto. A estabilidade foi criada para proteger servidores de perseguições políticas e garantir continuidade das políticas públicas. Críticos, porém, argumentam que há acomodação em parte do funcionalismo.

Na avaliação de Bruno Carazza, essas garantias de que o servidor fica coberto do risco de ser demitido devem ser uma prioridade para cargos estratégicos no serviço público. Ele sugere a regulamentação da demissão por insuficiência de desempenho. Esse dispositivo, previsto na Constituição, carece de uma regulamentação. Atualmente, a demissão de servidores públicos estáveis ocorre por meio de processos administrativos disciplinares (PAD) ou por sentença judicial transitada em julgado.

"É preciso permitir que aqueles servidores que são minoria, que não são comprometidos, que não entregam, sejam desligados da administração pública", defendeu. Segundo ele, isso "não entra em choque com o instituto da estabilidade".

Ainda conforme o economista, uma regulamentação da demissão por insuficiência de desempenho exigiria metodologia rigorosa para evitar arbitrariedades, com critérios objetivos e processos de avaliação transparentes.

Governo

Parte importante nas discussões do grupo de trabalho sobre reforma administrativa, o governo federal defende a bandeira de uma "transformação do Estado" que, segundo a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, "vai além de uma reforma tradicional".

Dweck defende que uma reforma administrativa deve melhorar "a capacidade do Estado brasileiro de entregar políticas à nossa população". A ministra argumenta que o Estado precisa ser não apenas eficiente, mas também eficaz na promoção da justiça social.

Fonte: Correio Braziliense