Inclusão do IBS e CBS na base do ICMS e ISS
Enviado Sexta, 01 de Agosto de 2025.Incluir o IBS e a CBS no cálculo do ICMS estaria em direção oposta aos princípios da neutralidade, simplicidade e transparência perseguidos pela reforma tributária
A implementação da reforma tributária em curso no Brasil e a proximidade do início do período de transição para o novo sistema têm movimentado intensos debates nos meios jurídico e econômico, trazendo à tona inúmeras questões sobre a estruturação do sistema tributário nacional e sua implicação prática na rotina e nas atividades dos contribuintes.
Entre os focos de discussão, destaca-se a necessidade ou não de inclusão dos novos tributos sobre o consumo - o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) - na base de cálculo do ICMS e do ISS durante a fase de transição, marcada pela incidência simultânea dos antigos e novos tributos.
Grosso modo, o ICMS e o ISS são tributos indiretos calculados “por dentro” do preço e que, portanto, incidem sobre eles mesmos (ao integrar a própria base de cálculo). O IBS e a CBS por sua vez são tributos calculados “por fora” do preço, de modo a deixar claro para o adquirente a diferença entre o preço praticado pelo fornecedor e o tributo sobre consumo incidente na operação.
Essa diferença entre o mecanismo de cálculo do valor de tributo a recolher é uma característica marcante do novo sistema de tributação sobre consumo e tem por fundamento os princípios básicos que orientam toda a reforma tributária: simplicidade, neutralidade e transparência dos tributos sobre o consumo.
Se partirmos da premissa de que toda a reforma tributária - incluindo o seu regime de transição - deve nortear-se por esses princípios, a conclusão juridicamente razoável seria a de que os novos tributos (IBS e CBS), embora destacados no respectivo documentos fiscal, não deveriam integrar a base de cálculo do ICMS e do ISS, a exemplo do que já ocorre no sistema atual em determinados casos com o IPI - outro tributo indireto previsto no sistema com mecanismo de cálculo “por fora” do valor da operação.
Entretanto, durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 49/2019 (que deu origem à Emenda Constitucional nº 32/2023), a disposição que previa expressamente que o IBS e a CBS não poderiam integrar as bases de cálculo do ICMS e do ISS foi excluída do texto, não havendo atualmente disposição expressa na legislação tributária que confirme a não inclusão dos novos tributos na base de cálculo do ICMS e do ISS.
Para o ISS, a discussão parece menos controversa. Uma vez que, segundo a Lei Complementar nº 116/2003, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço e, se IBS e CBS são tributos calculados “por fora” do preço, a decorrência lógica seria pela não inclusão desses tributos na base do cálculo do imposto municipal durante o período de transição.
Em relação ao ICMS, por outro lado, a exclusão dessa disposição tem sido objeto de acirrada discussão entre especialistas, tendo inclusive sido apresentado novo Projeto de Lei Complementar (o PLP nº 16/2025) com a finalidade de alterar as leis complementares nº 214/2025 e nº 87/1996 de modo a, dentre outras coisas, preverem expressamente a não inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS com fundamento no princípio da neutralidade dos novos tributos, assegurado pela Constituição Federal.
Enquanto a tramitação do PLP 16/2025 não avança, discute-se se a supressão pelo Congresso Nacional da disposição que impedia a inclusão dos novos tributos na base de cálculo dos antigos refletiria potencial intenção do legislador de que os novos tributos componham a base de cálculo dos tributos antigos, enquanto estiverem vigentes.
De um lado, especialistas apontam que haveria necessidade de disposição constitucional e legal para autorizar a exclusão de IBS e CBS da base de cálculo do ICMS, considerando a técnica legislativa até então adotada pela Constituição Federal (e pela Lei Complementar nº 87/1996), que prevê expressamente os casos em que o IPI não deve integrar a base de cálculo do ICMS, por exemplo.
Por outro lado, a nosso ver, nos termos da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar 214/25, o IBS e a CBS não compõem o valor da operação - ou seja, o preço da mercadoria ou do serviço fornecido - e, como resultado, não deveria haver presunção automática de que esses tributos estão inseridos na base do ICMS.
Ao contrário, a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS estaria em direção oposta aos princípios da neutralidade, simplicidade e transparência perseguidos pela reforma tributária, exatamente com a finalidade de evitar distorcer as decisões de consumo e a organização da atividade econômica no Brasil.
Sobre esse aspecto, inclusive, não é demais comentar que, quando pretendeu incluir um novo tributo na base de cálculo do ICMS, a Emenda Constitucional nº 132/2023 o fez expressamente, como no caso do IS (Imposto Seletivo), o que pode ser indicativo de que qualquer inclusão de tributos na base de cálculo do imposto deve ser explicitamente prevista na legislação.
A inclusão ou a exclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS durante a fase de transição da reforma tributária é um tema que ilustra o desafio de harmonizar legislações complexas e garantir segurança jurídica no Brasil. Independentemente do desfecho desse debate, uma coisa é certa: ele evidencia a necessidade de um sistema tributário mais claro e coeso, capaz de atender às demandas de um país em constante evolução e efetivamente reduzir a litigiosidade tributária.
- Gustavo Haddad, Ana Carolina Utimati e Rafaela Canito são sócios da prática de tributário do escritório de advocacia Lefosse
Fonte: Valor Econômico - Opinião