Com o envelhecimento da população brasileira, economia do cuidado deve estar na fila de prioridades
Enviado Sexta, 01 de Agosto de 2025.Com o aumento da expectativa de vida, a reorganização de gastos públicos será um enorme desafio; nem resolvemos a carência de creches e já estamos devendo atenção aos mais velhos
Dona Maria, 99 anos, vibrou com a classificação do seu Fluminense na Copa do Mundo de Clubes. Othon Bastos, 93, está há quase um ano em cartaz com a peça Não me entrego, não. Fernanda Montenegro, com quase 96, retomou sua turnê de monólogos após terminar três filmes. Ney Matogrosso rebola pelo palco com a mesma energia e irreverência de meio século atrás.
O aumento da expectativa de vida, combinado com a redução da taxa de fecundidade, faz do envelhecimento da sociedade um caminho sem volta. E, em algumas décadas, os 90 poderão ser os novos 40. Infelizmente, a maioria dos brasileiros não chega à velhice com boa qualidade de vida.
Se as políticas públicas continuarem ignorando a realidade que já está batendo à porta, a desigualdade será acentuada. A pressão sobre saúde pública e privada será crescente, com a inclusão de cuidados com saúde mental e novas tecnologias.
O peso sobre a atenção aos idosos, assim como ocorre com a maternidade, recairá sobre as mulheres, que, com isso, já perdem oportunidades de trabalho ou têm de apelar a “profissionais” sem nenhuma formação.
As diferenças regionais também deverão se acentuar. No Amapá, metade da população já cuida de parentes idosos, enquanto a média do País é de cerca de um terço.
Parte do orçamento familiar está se deslocando da infância para cuidadores. Eles podem trazer carinho e companhia, mas trazem também riscos à integridade física do idoso e a deles próprios, pois ainda não é uma profissão regulamentada. Nem resolvemos a carência de creches e já estamos devendo atenção aos mais velhos.
Uma estatística do Japão me chocou. A cada oito dias, um idoso é morto por um cuidador exausto, quase sempre um familiar – e, em muitos casos, a ação é seguida de suicídio. O fenômeno é conhecido como “care killing”: assassinatos e suicídios relacionados ao cansaço extremo dos cuidadores.
Para um país como o Brasil, que já gasta mais com idosos do que com crianças, a reorganização de gastos públicos será um enorme desafio.
Na fila de prioridades, deveria estar a economia do cuidado. Já o gasto com refinaria iria para o grupo 5, e olhe lá. E também já passou da hora de repensar a idade mínima da aposentadoria, para ser coerente com o aumento da expectativa de vida.
Lula vai completar 80 anos em breve, sempre orgulhoso de seu vigor de jovem rapaz; resultado de uma vida mais privilegiada que a da maioria dos brasileiros. Poderia comandar a campanha da reforma da Previdência, porque a da reeleição já está nas ruas há tempos.
- Elena Landau: Economista e advogada
Fonte: Estadão - Opinião