Reforma administrativa: os riscos ao generalizar o
Enviado Segunda, 28 de Julho de 2025.A possibilidade de avançar a agenda de uma reforma que ajude a melhorar o desempenho do setor público anima a todos os que sabem que avanços na cidadania, no Brasil, dependem profundamente do Estado por meio de serviços públicos de qualidade. Vimos abrir-se uma oportunidade por iniciativa da Câmara dos Deputados –mas começar pela generalização do bônus por desempenho, anunciada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), seria um grande erro: vamos sintetizar os riscos.
As experiências mais abrangentes e sólidas no Brasil são as de Minas Gerais (2003-14) e de Santos, em São Paulo (iniciada em 2013 e ainda vigente). Pernambuco teve modelo de gestão por resultados também exemplar, entre 2007 e 2014, mas não generalizou o pagamento adicional por desempenho, reservando-o a áreas estratégicas. Importante aprender com as trajetórias desses casos para não cometer equívocos que apenas resultariam em aumento da remuneração, sem aumento do desempenho das organizações públicas.
O início é a decisão de governo de adotar gestão estratégica em cada organização pública —com engajamento claro do chefe de governo e alinhamento dos dirigentes por ele nomeados. Significa clareza de missão de cada organização, definição clara de visão estratégica, em seguida traduzida em programas, metas e indicadores coerentes, com atribuição clara de responsabilidades —de preferência envolvendo toda a linha gerencial da organização em sua elaboração. E requer a disciplina do aperfeiçoamento contínuo desse planejamento. Isso leva tempo, e o Brasil, salvo excelentes exceções, está bastante atrasado nessa aprendizagem.
Fica claro também que nomeações têm que servir ao desempenho das organizações públicas. Dirigentes competentes têm que liderar esse processo e serem líderes do engajamento dos servidores. Não há bônus que substitua a motivação que vem do trabalho útil à sociedade. E a qualidade das lideranças em todos os níveis é fundamental.
Já sabemos muito sobre remuneração por resultados no setor público —em quais condições funciona, e os problemas que surgem quando mal utilizada. O fenômeno do "gaming" foi amplamente registrado em diferentes áreas por destacados acadêmicos britânicos: ambulâncias dando voltas com o paciente, esperando vaga no PS para cumprir a meta do tempo máximo de espera no atendimento de urgência; professores ensinando alunos a responder os testes; e muitos outros casos. Mesmo no cinema, vimos policiais do filme "Tropa de Elite" registrando morte por afogamento ao encontrar um corpo baleado na praia. Está claro: não se começa a mudar a gestão pública pelo incentivo financeiro.
Outro erro —ou "risco", para ser mais leve a crítica— é adotar mais uma medida que não respeita a imensa diversidade do país e esquecer que o federalismo é o regime mais adequado para orquestrar as diferenças. Adotar o bônus por desempenho para todos os entes é um despropósito.
Também o é para os que já se esbaldam com os supersalários e suas diversas denominações —verba de sucumbência, verbas indenizatórias, participação em conselhos de estatais, diárias, auxílios e uma infinidade de penduricalhos. Não: não queremos que os que ganham muito, do erário público, ganhem ainda mais. Recursos públicos devem ser usados para melhorar os serviços à população.
Obter o melhor do servidor não se consegue com dinheiro. Reforma administrativa é outra coisa —tem que indicar modelos organizacionais mais adequados, instrumentos de gestão, qualidade das lideranças, gestão estratégica e transparência de resultados. A leitura do "Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado", de 1995, é fundamental. E viva Luiz Carlos Bresser-Pereira!
- Regina Pacheco: Professora permanente da FGV-Eaesp; ex-presidente da Enap (Escola Nacional de Administração Pública; 1995-2002) e integrante do Comitê de Especialistas em Administração Pública das Nações Unidas
Fonte: Folha de S. Paulo - Opinião