Comitê Gestor do IBS: cooperação e autonomia federativa

Enviado Quinta, 12 de Junho de 2025.

O Brasil está diante do maior desafio fiscal de sua história. A reforma tributária do consumo, que caminha para os passos finais de sua regulamentação no Congresso Nacional, é um divisor de águas na trajetória federativa brasileira.

Um projeto elaborado em conjunto pelos estados e municípios, com o apoio de várias cabeças, à base de consensos e de muito diálogo. O texto final é fruto, também, de debates travados entre os diferentes setores da sociedade e das divergências técnicas e políticas naturais em uma democracia.

Foi a reforma tributária possível num país onde quase a unanimidade chamava de impossível a aprovação do projeto. Porque não se trata apenas de uma reestruturação técnica dos tributos. É, sobretudo, uma mudança de paradigma. A reforma tributária representa um redesenho estratégico do modelo de desenvolvimento nacional, rompendo com décadas de guerra fiscal, assimetrias regionais e uma complexidade que, por muito tempo, penalizou a competitividade e a eficiência na alocação dos recursos públicos.

No entanto, é imprescindível reconhecer que, junto às oportunidades, surgem também desafios concretos e significativos.

Estamos diante de uma equação complexa, que exige equilíbrio, sensibilidade política e clareza técnica. Estados cuja economia é mais dependente de setores específicos estão naturalmente mais expostos a riscos. As incertezas quanto ao comportamento da arrecadação durante e após o período de transição justificam nosso foco redobrado. Também por isso, alternativas para mitigar essas adversidades devem estar entre as prioridades da reforma. A criação do seguro receita, já a partir do primeiro ano da transição federativa, é uma delas.

Daí a importância também de acompanharmos com a devida atenção o funcionamento dos fundos de desenvolvimento e os de compensação criados pela Emenda Constitucional 132/2023. Ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) somam-se o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá. Cada qual com suas singularidades, seja voltado a promover uma transição equilibrada, caso do FCBF, seja o de não esgarçar as atuais desigualdades regionais, caso dos demais fundos.

Acompanhamos com igual expectativa a tramitação do PLP 108/2024, especialmente no que se refere ao período de transição de distribuição do IBS, entre 2029 e 2077, levando em conta a média de arrecadação dos estados no período de 2019 a 2026. Uma medida que visa reduzir impactos nas finanças dos entes, mantendo os recursos e mitigando perdas, numa transição lenta e que não coloque em risco os serviços públicos dos entes subnacionais.

Entre as novas regras do sistema tributário nacional, outro aspecto da reforma tributária vai merecer muito da nossa atenção nos próximos anos: o Comitê Gestor do IBS, uma entidade pública absolutamente inédita e com papel estratégico para o desenvolvimento da economia do país.  

Como se sabe, o Imposto sobre Bens e Serviços vai unificar o ICMS (estadual), o ISS (municipal) e terá competência compartilhada entre estados e municípios. A reforma prevê um prazo de sete anos, até 2033, para a transição total do IBS.

Será a primeira experiência orgânica da nossa República Federativa em que estados e municípios atuarão juntos, compartilhando técnicas, informações e know how.

A estimativa é que o Comitê Gestor movimente mais de R$ 1 trilhão por ano. Será o tributo com a maior arrecadação do país.

Os entes subnacionais estão cientes de tamanha responsabilidade. Pela nova legislação, o Comitê Gestor terá 54 assentos, sendo 27 para os estados e 27 para a representação dos municípios. A presidência será rotativa e obedecendo ao critério da alternância entre estados e municípios. O Comitê foi instalado em 16 de maio, cumprindo o prazo regimental, e já conta com as indicações estaduais, incluindo titulares e suplentes. Os municípios enviarão os nomes dos representantes assim que convergirem sobre os critérios eleitorais, o que deve ocorrer em breve.

Desde o início do processo de elaboração da reforma tributária, os entes subnacionais assumiram o compromisso de trabalhar em favor do país.

As decisões para iniciar a transição a partir de 2026 já começaram a ser tomadas neste ano. Para tanto, estados e municípios formalizaram, por meio de um acordo de cooperação técnica, a criação de um Pré-Comitê Gestor.

Esse colegiado vem atuando de forma incansável com extrema dedicação de secretários das Fazendas estaduais e municipais, além dos técnicos das administrações tributárias subnacionais.

São mais de mil gestores e profissionais técnicos divididos em Grupos de Coordenação Estratégica; Técnica Normativo; Técnica Operacional, Técnica Financeiro; 8 Grupos de Trabalho; 36 SubGTs, Secretaria Geral e Escritório de Projetos.

Sem alarde e holofotes, estamos assistindo uma demonstração inequívoca de comprometimento com o Brasil.

O Comitê Gestor terá a função técnica de coordenar e orientar as administrações tributárias. Importante ressaltar também que não haverá sobreposição de papeis com as Fazendas estaduais e municipais, por exemplo. O Comitê atuará na orientação e nas diretrizes. É objeto dele também buscar a harmonia num espaço colegiado de cooperação e respeito à autonomia federativa. Outras finalidades do Comitê Gestor são:

Editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto;
Arrecadar o imposto, efetuar as compensações, realizar as retenções previstas na legislação específica e distribuir o produto da arrecadação aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios;
Decidir o contencioso administrativo;
Atuar, juntamente com o Poder Executivo federal, com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos relativos às regras comuns aplicáveis ao IBS e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS);
Exercer a gestão compartilhada, em conjunto com a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do sistema de registro do início e do resultado das fiscalizações do IBS e da CBS;
Disciplinar a aplicação padronizada de regimes especiais de fiscalização;
Coordenar, com vistas à integração entre os entes federativos, no âmbito de suas competências, as atividades de fiscalização, cobrança judicial e inscrição em dívida ativa;
Coordenar, em âmbito administrativo e judicial, a adoção dos métodos de solução adequada de conflitos relacionados ao IBS entre os entes federativos e os sujeitos passivos;
Nos casos de conflitos entre dois ou mais entes federativos, disciplinar a forma de organização e gestão dos trabalhos, o rateio dos custos e a distribuição do produto da arrecadação;
Elaborar a metodologia e o cálculo da alíquota de referência e dos regimes específicos, junto com à Receita Federal.

Espinha dorsal da reforma tributária, o Comitê Gestor do IBS não é somente uma grande novidade no seio do sistema tributário brasileiro que está por nascer: é um novo modelo de administrar a arrecadação do principal imposto de estados e municípios – e do país.

Uma oportunidade também para o Brasil debater, de forma séria e sem preconceitos, o papel dos impostos e tributos na sociedade, e o que esses recursos podem gerar de políticas públicas para melhorar a vida das pessoas que mais precisam.

É com esse empenho e espírito de cooperação que o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), entidade que tenho a honra de presidir, tem trabalhado diuturnamente.

Afinal, mudar para melhor a vida dos brasileiros é o objetivo final a ser alcançado.

- Flávio César Mendes de Oliveira, presidente do Comsefaz e secretário de Fazenda do Mato Grosso do Sul

Fonte: Folha de S. Paulo - Opinião