54 empresas têm 29% dos benefícios tributários
Enviado Sexta, 06 de Junho de 2025.Concentração faz com que grupo represente quase um terço de renúncia de R$ 420 bi
Um conjunto de 54 empresas declarou à Receita Federal ter reduzido cada uma em, ao menos, R$ 1 bilhão os seus tributos devidos entre 2024 e este ano por causa de benefícios tributários. Essas empresas foram responsáveis por 29% da renúncia de R$ 420 bilhões informada no período.
Esses incentivos, todos previstos em lei, fazem com que setores da economia e pessoas físicas paguem menos impostos, o que diminui a arrecadação federal. Agora, estão na mira do governo e do Congresso Nacional para substituir a receita prevista com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O dado foi extraído da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi) e considera valores declarados de 2024 a maio deste ano. O dado de 2025 é parcial, porque as empresas ainda estão fazendo as transmissões. A Dirbi é uma obrigação acessória criada pela Receita que obriga as empresas a declararem quanto usufruem de benefícios tributários. Atualmente, são 43 tipos que precisam ser informados.
Os números da Dirbi também mostram que, dos R$ 420 bilhões de renúncia declarados, R$ 209,5 bilhões foram de empresas classificadas como “indústria de transformação” e R$ 104,1 bilhões como “comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas”. Esses são os dois principais setores beneficiados conforme a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (Cnae).
Já por tipo de benefício, as maiores renúncias da Dirbi estão concentradas na Zona Franca de Manaus (ZFM), com R$ 72,12 bilhões; adubos e fertilizantes (R$ 36,86 bilhões); carnes (R$ 36,53 bilhões); defensivos agropecuários (R$ 27,94 bilhões) e benefícios regionais de Sudam e Sudene (R$ 27,85 bilhões). Somente esse conjunto responde por quase a metade do total declarado.
Os números ajudam a dimensionar como a renúncia tributária é concentrada em poucos setores da economia, beneficiando um conjunto de empresas.
A Dirbi tem como ponto negativo o fato de não englobar todos os gastos tributários existentes - empresas do Simples Nacional, por exemplo, não precisam declarar. O Simples é a principal renúncia de arrecadação, com estimativa de custar R$ 121 bilhões à União em 2025. A Dirbi também não traz a renúncia de receita com os incentivos concedidos a pessoas físicas, como as deduções de Imposto de Renda (IR) com saúde e educação.
Mas os dados ajudam a jogar luz no custo e na concentração desses benefícios. Esse debate ganha mais relevância num momento em que o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei (PL) para rever esses incentivos. É a principal medida estruturante preparada pelo Ministério da Fazenda para substituir a arrecadação com o aumento do IOF. Porém, benefícios grandes, como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus, serão poupados, segundo apurou o Valor.
O economista Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA, afirma que os benefícios existem porque a tributação original é distorcida, ou seja, tributa-se mais a indústria e o comércio do que eles geram de Produto Interno Bruto (PIB). “A concessão de benefícios de alguma maneira tenta compensar esta distorção.”
Ele acredita que, politicamente, haveria mais chances de passar no Congresso uma redução linear de subsídios, se fosse operacionalmente possível, mas pondera que isso não reduziria a distorção entre os setores da economia. “Se eu reduzo linearmente os benefícios, reduzirei mais os benefícios da indústria e do comércio, e não torno a tributação mais equânime entre eles e o agro e os serviços”, explica.
“É normal, na hora de conceder benefícios, olhar para onde está esta sobretributação e tentar corrigir. O problema está em tentar corrigir em subsetores, segmentos específicos, e não linearmente, reduzindo a carga do setor inteiro, como foi feito com a reforma do consumo. Uma redução linear dos benefícios sustentaria esta distorção”, completa Bittencourt, que já foi secretário do Tesouro Nacional.
Os economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini, da Warren Investimentos, defendem que tecnicamente o mais correto seria uma redução linear dos benefícios tributários, atingindo inclusive o Simples, a ZFM e os concedidos a pessoas físicas. Politicamente, eles admitem que o Simples e a ZFM são intocáveis. “Nossa proposta é cortar em torno de 24% dos benefícios tributários em vigor, valor que ajudaria a elevar o ganho de receita da União em 1% do PIB ao ano”, diz Salto. Ele afirma que o corte deveria ser feito gradualmente, começando em 2027 até 2030.
Ele alerta que o governo e o Congresso não podem cair no erro de escolher um único benefício para cortar. “Todos têm que dar uma cota de colaboração”, afirma Salto, que foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Ele diz que o ideal seria ter também uma avaliação de custo-benefício de cada incentivo tributário, para identificar aqueles que geram algum resultado econômico.
Já o advogado Diogo Teixeira, sócio do escritório Machado Meyer, pondera que a relação custo-benefício é muito difícil de mensurar. O advogado afirma que boa parte da questão dos benefícios fiscais decorre de uma questão conjuntural do Brasil que é a carga tributária elevada - que faz com que algumas atividades sejam economicamente inviáveis sem incentivo. “Isso gera um ciclo vicioso, porque quanto mais benefício mais a carga tributária padrão sobe porque alguém tem que pagar a conta”, afirmou.
A ideia da reforma tributária do consumo era resolver a questão dos benefícios fiscais, segundo o advogado. “Mas viram que não era politicamente viável”, afirmou. O projeto da reforma acabou até ampliando benefícios para setores específicos, como para a ZFM. Além disso, Teixeira pondera que alguns incentivos são necessários, especialmente considerando as assimetrias regionais, a elevada carga tributária e a competição com outros países em alguns setores.
Ele também é favorável a uma redução gradual dos incentivos, já que uma reversão abrupta poderia levar a dois tipos de reação, segundo o advogado. A primeira é a tendência de judicialização, porque muitas vezes a supressão pode violar direito adquirido e a segurança jurídica. A segunda reação é o encerramento de projetos que dependiam dos valores de benefício fiscal. “O aumento de alíquota pode reduzir a atividade econômica. Se passar de um ponto de equilíbrio, não terá aumento real de arrecadação”, alerta Teixeira.
Fonte: Valor Econômico