Sem desindexação e corte de despesas não há saída fiscal

Enviado Quarta, 04 de Junho de 2025.

Para melhorar a situação fiscal, seria preciso perseguir a regra simples: não gastar mais do que se arrecada e partir para medidas que gerem resultados sustentáveis

A cartada do governo de eliminar as previsões irrealistas sobre receitas e buscar mais arrecadação, com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), teve oposição generalizada, dentro e fora do governo, mas ressaltou um problema conhecido e grave: faltará dinheiro para manter a máquina pública funcionando em um par de anos. Será preciso conter gastos, além do contingenciamento e do bloqueio dos R$ 31,5 bilhões fixados, limite político até o qual o presidente Lula está disposto a ir e solução proposta por Haddad. Congresso, Fazenda e o presidente Lula buscaram uma solução de consenso, que ainda não veio. “Reformas estruturais” foram incluídas na discussão, sugeridas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), uma direção correta, mas que, diante da premência de recursos imediatos para cumprir a meta fiscal e da proximidade das eleições presidenciais, parece mais um expediente para jogar os problemas para o futuro.

As projeções de receitas e despesas dos próximos três anos, no orçamento de 2025, indicaram que o custeio das atividades do governo entra o ano em nível de apagão, algo antes projetado para um ou dois anos à frente pelos analistas privados. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu um toque de realismo à equação fiscal, seguindo as regras do regime fiscal petista - contingenciando o politicamente definido e aumentando receitas em tempo hábil, e o IOF era um dos poucos instrumentos disponíveis para isso. Houve mais participantes desta decisão do que indica o fogo interno contra o solitário Haddad. A Casa Civil e o presidente Lula foram informados do que estava em gestação, seja com menos ou mais detalhes.

Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), de partidos que estão se distanciando do governo Lula para embarcar em candidaturas de oposição no ano que vem, escoraram-se em argumentos corretos para rejeitar a saída da Fazenda, os de que não há mais espaço para aumento da carga tributária. A ameaça de rejeição do aumento do IOF, em nova derrota do governo sufragada pela base supostamente governista, tornou-se real.

Haddad não quer abrir mão do IOF, um imposto ruim, regulatório e não arrecadatório, que taxa de forma diferente operações cambiais semelhantes e que contraria recomendações da OCDE, à qual o país deu passos para aderir até o início do governo Lula. Não é fácil arrumar receitas dessa ordem em um estalo de dedos. Ao descartar corte de gastos, Fazenda e Congresso entram no campo da improvisação para tapar o buraco fiscal.

Motta sugeriu a redução da incrível montanha de gastos tributários, a renúncia de receitas que favorece diversos setores econômicos com poder de lobby. A Receita Federal estimou que chegarão a R$ 544, 5 bilhões, ou 4,8% do PIB, este ano. Uma nova regra exigiu que as empresas declarem montante e tipo de incentivos que recebem, e os dados revelam que gastos tributários podem chegar a R$ 800 bilhões. Para quem luta para garantir R$ 30 bilhões a mais no orçamento é um caminho óbvio, mas penoso e nunca conseguido. Simples, subsídios agrícolas, Zona Franca de Manaus e deduções de saúde e educação no Imposto de Renda constituem as principais rubricas, e o Congresso, que as aprovou, nunca se dispôs de fato a revê-las ou extingui-las.

O governo enviou MP para o Congresso com outra falsa saída, que passa pela venda de petróleo que pertence à União nas áreas ainda não exploradas do pré-sal. A alteração do preço de referência do petróleo, entre outras medidas na área, traria R$ 20 bilhões aos cofres públicos em 2025 e mais R$ 15 bilhões em 2026. A operação é apenas uma antecipação de receitas futuras, que foi proibida para os Estados no passado, e não resolve, apenas adia, a solução do rombo fiscal.

As melhores soluções sempre estiveram à disposição do governo Lula, mas ele as rejeitou até agora. Os pisos para despesas com saúde e educação são corrigidos pela evolução da receita líquida da União, e não mais pela inflação, como durante a vigência do teto de gastos. Com isso, têm crescido mais e expulsado do orçamento gastos discricionários. Tem esse efeito a correção de benefícios previdenciários, BPC, abono salarial e seguro-desemprego pelo salário mínimo com ganhos acima da inflação. Esses são os maiores dispêndios do orçamento, 48% dele.

O governo não deveria ter mudado a meta fiscal para se permitir gastar mais. A meta para este ano já seria de superávit de 0,5% do PIB, com o piso de 0,25% do PIB. Para deter o endividamento crescente, o governo deveria mirar pelo menos resultado positivo de 1% a 1,5% do PIB, o que nunca fez, mal conseguindo fechar o objetivo no limite inferior do regime fiscal.

Saídas como a reforma administrativa não reduzem tanto os gastos, mas são importantes para melhorar a produtividade do setor público. As renúncias tributárias precisam ser atacadas, mas esse é um assunto recorrente, que surge e desaparece de acordo com as conveniências. Para melhorar a situação fiscal, seria preciso perseguir a regra simples: não gastar mais do que se arrecada. Além disso, parar com soluções temporárias e improvisos e partir para medidas que gerem resultados sustentáveis.

Fonte: Valor Econômico