São Gonçalo atrai interesse de Paes e Bacellar na disputa pela eleição estadual

Enviado Segunda, 02 de Junho de 2025.

Se a corrida pelo governo do Rio fosse um jogo de tabuleiro, lembraria o clássico War — onde estratégia, alianças e ocupação de territórios definem o vencedor. A eleição é só em outubro do ano que vem, mas os principais jogadores já estão em movimento, avançando peças com um objetivo em comum: o Palácio Guanabara. Sem anunciar formalmente a disputa, de um lado está o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD); do outro, o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União). Um dos primeiros campos de batalha é São Gonçalo — segunda cidade mais populosa do estado e terceiro maior colégio eleitoral — cuja conquista pode ser decisiva no jogo de poder que se desenha.

Na disputa, São Gonçalo já está nas mãos de aliados de Rodrigo Bacellar, como o prefeito Capitão Nelson (PL), e abastecido por recursos da Secretaria de Cidades (Secid), comandada por seu filho, Douglas Ruas (PL). Eduardo Paes, por sua vez, tenta furar essa bolha e avança com uma cartada estratégica: articula um acordo para abrir mão de parte dos royalties do petróleo em favor do município, o que pode turbinar os cofres locais e ampliar sua influência no território.

Mais da metade dos recursos da Secretaria estadual de Cidades — R$ 773 milhões de um total de R$ 1,4 bilhão em contratos ativos — foi destinada a obras em São Gonçalo, reduto eleitoral estratégico para o grupo político de Rodrigo Bacellar. O orçamento robusto da pasta, hoje comandada por Douglas Ruas, filho do prefeito, virou trunfo na ofensiva do presidente da Alerj sobre o município.

A secretaria foi criada em 2023 pelo governador Cláudio Castro para acomodar o deputado federal Altineu Côrtes, presidente estadual do PL, que indicou Douglas para o cargo. Com base consolidada em São Gonçalo e na vizinha Itaboraí, Altineu fortalece a posição de Bacellar, que largou na frente na disputa por um dos maiores colégios eleitorais do estado.

Na vizinha Itaboraí, a carta-bônus da Secretaria de Cidades também vale para ajudar Bacellar e Altineu a consolidarem o território. O prefeito é Marcelo Delaroli (PL), que, além de aliado do presidente regional do PL, é irmão de Guilherme Delaroli (PL), 1º vice-presidente da Alerj. A pasta de Douglas Ruas destina R$ 429 milhões para obras no município, o que equivale a 34% dos contratos ativos custeados pela Secretaria de Cidades.

— Não são obras com cunho eleitoral, mas, sim, estruturantes, que há anos tinham projetos mas não saíam do papel. Mas é claro que intervenções dessa magnitude geram resultados ao gestor e ao governador — defende Altineu.

Um grande volume dessas intervenções, como o Mobilidade Urbana Verde Integrada (Muvi), que corta a cidade de São Gonçalo, não foi licitado pela pasta, mas escolhido a dedo e herdado pela Secid da Secretaria de Obras. No entanto, isso não impede sucessivas críticas de prefeitos aliados sobre o baixo investimento em suas cidades.

Em nota, a secretaria diz que 73% das obras sob sua gestão foram transferidas de contratos já celebrados pelo governo do estado antes de sua criação. A pasta afirma analisar diversos critérios para garantir o bom uso dos recursos públicos em intervenções pedidas pelos próprios municípios, como viabilidade técnica e relevância social.

Mesmo diante desse cenário, Eduardo Paes está confiante de que poderá virar o jogo. Para isso, tenta costurar um acordo para abrir mão de parte dos royalties do petróleo. A ideia, no entanto, pode esbarrar em aliados. A discussão ocorre no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julga os últimos recursos contra a mudança dos critérios de distribuição — uma batalha judicial iniciada há três anos. Além de São Gonçalo, as cidades de Guapimirim e Magé também são autoras da ação em que pedem mais verba do petróleo.

Se a tese delas vencer, a capital, Maricá e Niterói podem perder R$ 1,5 bilhão em royalties por ano.

Ao GLOBO, o prefeito Eduardo Paes voltou a negar que seja candidato ao posto de governador e que este movimento tenha interesses eleitorais. Diz que a capital tem saúde financeira, que gostaria do apoio do “amigo” Capitão Nelson a seu candidato em 2026 — apesar de saber que não terá, pela legenda — e, em referência à Niterói, diz que “não quer prejudicar ninguém de uma hora para outra”:

— Sempre fui um cara metropolitano. É um escândalo uma cidade daquele tamanho receber o que recebe de royalties. Minha posição é abrir mão para o que é justo com o povo de São Gonçalo. Se a Região Metropolitana estiver mal, o Rio será prejudicado. E a cidade do Rio tem uma saúde financeira invejável.

Na semana retrasada, todos os envolvidos na ação se reuniram em Brasília e deram início à negociação sob tutela do STF. Ficou acordado que, até agosto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentará estudo técnico sobre os limites territoriais da produção de petróleo no Rio. Esse novo mapa pode influenciar a divisão da verba.

O prefeito da capital já foi às redes sociais por duas vezes defender um acordo sobre o tema, e quem participou da reunião na semana passada diz que Paes defendeu os interesses de São Gonçalo mais do que o próprio Capitão Nelson.

Nos bastidores, ele teria acenado com a possibilidade de abdicar de cerca de R$ 150 milhões — e conta com o apoio de Washington Quaquá (PT), de Maricá, para pôr mais R$ 300 milhões à mesa. Mas, apesar de o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), ser aliado de Paes, não está disposto a aceitar o acordo. À cidade vizinha a São Gonçalo foi proposta uma redução de R$ 600 milhões — cerca de 10% da receita anual. Em Maricá, a perda seria de 4%; no Rio, de apenas 0,5%. Niterói defende a criação de um fundo intermunicipal, com anuência dos legislativos municipais e aporte de até R$ 350 milhões.

Aliados de Paes dizem que o prefeito busca formar uma imagem de político metropolitano, apesar de ir contra interesses de um de seus maiores aliados fora da capital. Além disso, correligionários afirmam ainda que, com o aceno, ele busca um pacto de não agressão pelos próximos meses com Capitão Nelson. Na última campanha municipal, Paes elogiou o prefeito de São Gonçalo em algumas oportunidades.

Na Câmara do Rio, Paes pode enfrentar outro percalço. O vereador Pedro Duarte (Novo) cobra da prefeitura medidas para compensar eventual perda de royalties a favor de São Gonçalo e defende a participação da Câmara na decisão. Recentemente, o prefeito teve atritos com vereadores, até da base, sobre temas como a regulamentação do projeto de armar a Guarda Municipal.

— A cidade merece investimentos, mas eles precisam ser definidos por critérios técnicos, e não por interesses eleitorais ou familiares. Não faz sentido que a Câmara não seja consultada sobre uma possível abdicação de receitas dos royalties do petróleo — defende Duarte.

Fonte: O Globo