O que levou a inflação de alimentos a subir tanto e o que se pode prever

Enviado Quarta, 30 de Abril de 2025.

A inflação de alimentos está tirando todo mundo do sério. O dado do IPCA-15 de abril, divulgado na última sexta-feira, mostrou uma desaceleração da inflação geral, que tinha registrado alta de 1,23% em fevereiro, de 0,64% em março e de 0,43% em abril. O grupo Alimento e Bebidas, no entanto, subiu quase três vezes mais do que a taxa geral, a alta foi 1,14%, respondendo por 60% da alta do IPCA-15 no mês. Quando se fala em Alimentação no domicílio, a alta foi ainda maior, houve aceleração de março para abril, de 1,25% para 1,29%. O grande vilão foi o tomate, que subiu mais de 30% no mês, após uma alta de 12% em março. Mas o que está acontecendo com o tomate? A resposta está no clima. O calor intenso no início do ano fez acelerar o processo de maturação, o que elevou a oferta aumentar e os preços até a caírem. No entanto, esse fenômeno reduz a disponibilidade num período em que teoricamente haveria uma safra maior em oferta e levou o preço a subir em março e abril. A boa notícia é que o valor do tomate já começou a cair no atacado, e à medida que a safra de inverno for chegando às prateleiras, a perspectiva é de queda.

O café, no entanto, não dará alívio tão cedo. O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, diz que o produto continua a ser uma fonte de preocupação. Isto porque o ciclo do café é assim: uma safra boa, uma ruim. E a safra do ano passado foi quebrada no Vietnã, o que levou a um desequilibrou na oferta mundial produto e vai levar tempo para que o preço se estabilize.

O fato é que os preços dos alimentos mudaram de patamar por choques de oferta, desvalorização cambial, aumento das exportações e da demanda interna, explica o economista André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV Ibre.

- A pandemia em 2020, a crise hídrica de 2021, a Guerra da Ucrânia, em 2022, o câmbio e fenômenos climáticos, em 2024, foram choques que mexeram no patamar de preços dos alimentos. Em 2023, tivemos uma trégua. Mas, para que esses alimentos devolvam todo esse aumento, dependemos de alguma valorização do real frente ao dólar, de safras boas e de bons investimentos no campo. Isso significa boas estradas, transportes mais eficientes (trens e cabotagem), sementes mais produtivas, adubos e fertilizantes mais baratos e crédito rural. Resolver o problema dos preços dos alimentos é uma agenda de longo prazo - destaca o economista.

Há algumas boas notícias na área de inflação de alimentos, confirmando uma boa safra no país, a expectativa é de um aumento de 10% em relação à anterior, a tendência é de acomodação de preços. A safra de milho, por exemplo, está muito boa, segundo José Roberto, o que impacta favoravelmente o preço da ração e diminui consequentemente o valor de algumas proteínas.

Um complicador nesse cenário é a crise global criada por Donald Trump - que hoje completa cem dias de governo - com o seu tarifaço. Isto porque a política protecionista dos EUA está levando a um aumento da demanda por produtos brasileiros, principalmente na área de proteína, ou seja, carne bovina. O aumento da exportação de carnes pode fazer com que o produto acabe ficando mais caro por aqui. Esse movimento já teve reflexos no IGP-M de abril, divulgado nesta terça-feira pelo FGV Ibre, que acelerou para uma alta de 0,24%, depois de ter registrado deflação de 0,34% no mês anterior. O resultado foi puxado pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) que inverteu sua trajetória, saindo de uma queda de 0,73% em março para alta de 0,13%, com grande impacto das carnes, explica Matheus Dias, economista do instituto.

- A carne bovina é destaque, principalmente porque eles vinham em um processo de queda de preço, de desaceleração, a oferta estava muito forte, com a disponibilidade de fêmeas para o abate acima do demandado. Só que nesse mês de abril a gente já vê um pouco a mudança de comportamento com o aumento da demanda externa, exportações puxando parte dessa alta, acompanhada também por uma demanda interna mais forte, após o fim da quaresma, em que tradicionalmente há um consumo menor de carne. Não enxergo, no entanto, um aumento mais significativo. O Índice de Preços ao Consumidor, por sua vez, desacelerou em abril. Os cortes de carne bovina não aparecem sequer como destaques de alta justamente porque esse repasse ainda não aconteceu - explica Dias.

Se a guerra comercial pressiona preços de um lado, de outro, a queda na cotação do dólar, que temos visto nas últimas semanas, tem um impacto positivo sobre os preços de vários produtos, já que muitos acompanham uma cotação internacional.

Há uma luz no fim do túnel. Normalmente, junho, julho, agosto costumam registrar inflações mais baixas. Esperemos que esse calendário se cumpra. Até aqui, apesar da desaceleração da inflação na comparação mensal, no acumulado de 12 meses a inflação continua avançando, chegando a 5,49% no IPCA-15 de abril. Não se trata de uma inflação fora de controle, mas de uma taxa persistente, especialmente na área de alimentos. Segundo Braz, os alimentos devem permanecer pressionando o custo de vida por todo o ano e é provável seguirem com algum protagonismo em 2026, mesmo com o alívio em alguns produtos.

- Os efeitos climáticos cada vez mais frequentes também representam grande desafio para a oferta de alimentos. Safras desafiadas pelo clima reduzem o PIB e aumentam o risco de insegurança alimentar no futuro - ressalta o economista.

O custo de alimentação no ano, como destacam Braz e José Roberto, vai continuar a subir mais do que a inflação geral, do que a inflação média, continuará sendo o vilão do orçamento das famílias. A expectativa, no entanto, é de refresco em alguns produtos e desaceleração no ritmo de alta nos próximos meses. Não se baixa a inflação por decreto, como mostrou Braz, é preciso uma política de longo prazo. Por aqui, vamos continuar de olho na inflação, principalmente na Alimentação no domicílio, que representa o custo da comida na mesa do brasileiro.

Fonte: O Globo - Coluna Míriam Leitão