Rioprevidência cogitou usar recursos do crédito consignado de servidor como

Enviado Quinta, 17 de Abril de 2025.

Instituição aplicou quase R$ 1 bilhão em letras financeiras sem proteção do FGC. Ex-diretor alegou em audiência do TCE que parcela que o banco teria a receber por empréstimo em folha poderia ser retido como contrapartida em 'caso extremo de default'

O Rioprevidência cogitou usar recursos ligados a operações de crédito consignado de servidores ativos e inativos do Rio como "garantia" para cobrir eventuais prejuízos dos investimentos do fundo feitos no banco Master. A entidade, responsável pela gestão dos recursos que pagam aposentadorias e pensões de mais de 235 mil servidores públicos estaduais, aplicou quase R$ 1 bilhão em letras financeiras (LFs) do banco, títulos sem garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

No ano passado, técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) apontaram indícios de irregularidades nos investimentos do Rioprevidência no Master, e uma decisão monocrática determinou a suspensão cautelar de novas aplicações no banco. O Ministério da Previdência Social também abriu processo para apurar o tema.

Na última quarta-feira, durante audiência do processo no TCE, o ex-diretor de investimentos do Rioprevidência, Euchério Lerner Rodrigues, contou que, até 2023, os investimentos do fundo estavam concentrados em grandes instituições financeiras, e que bancos menores foram cadastrados para diversificar as aplicações.

Segundo ele, a decisão pelos aportes no Master ocorreu por dois fatores. Um deles foram as taxas de rendimento das LFs, que passavam de 130% do CDI, acima das usualmente praticadas no mercado.

O outro é que a instituição tem um contrato com o Governo do Rio e oferece crédito consignado aos servidores ativos e inativos.

— Isso dá ao Rioprevidência uma receita de R$ 20 milhões por mês. Calculamos que, no caso extremo de default (calote) total dos títulos do Master, em 23 meses, se usássemos o fluxo do consignado, ressarciríamos o valor do caixa. Então, o Master, por causa do consignado, era mais interessante para o Rioprevidência do que toda a concorrência — afirmou Rodrigues no TCE.

O Rioprevidência foi procurado, mas não respondeu. Ao GLOBO, o ex-diretor de investimentos do fundo afirmou que essa estratégia levava em conta a contraprestação mensal paga pelo banco ao Estado pela carteira do consignado, valores que são proporcionais ao volume faturado pelo Master com os empréstimos concedidos.

Fora do contrato

Segundo Rodrigues, esse plano não estava previsto em contrato, mas era cogitado pela administração do fundo em caso de perdas, provavelmente via Justiça.

Para advogados ouvidos pelo GLOBO, porém, talvez esta compensação não fosse possível, com riscos de até abrir margens para questionamentos na Justiça. Eduardo Bruzzi, especialista em Direito Financeiro e Bancário do BBL Advogados, analisa que a compensação é prevista em lei, mas pressupõe que os devedores e credores contratuais sejam equivalentes.

— É preciso avaliar as relações contratuais. Na primeira delas, há a relação entre Rioprevidência e Master, fruto do investimento em papéis do banco. Mas é preciso entender os detalhes da segunda relação. Se a receita mencionada envolver Rioprevidência e Master, talvez seja possível tal compensação. Mas se a relação jurídica envolver o Estado do Rio ou se estiver fazendo menção aos próprios contratos pactuados entre servidores e o banco, não teremos a identidade de partes para fins de enquadramento de compensação, pois estaríamos diante de uma relação triangular — explica.

Jorge Boucinhas, professor da FGV EAESP, diz que a gestão de fundos públicos de previdência exige uma postura conservadora:

— No que tange a rentabilidade, existe um maior ou menor risco que é natural da operação financeira. Mas se a escolha é baseada numa garantia que pode não existir, há um erro.

Poder de barganha menor

Rodrigues — que acumula no currículo passagens pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a antiga Bolsa de Valores do Rio e a OSX, do ex-bilionário Eike Batista — afirmou na audiência do TCE que, ao chegar ao Rioprevidência, no início de 2023, o fundo tinha poucas instituições financeiras cadastradas para investimentos, o que, segundo ele, "limitava o poder de barganha" por melhores condições de rendimento.

Ele também defendeu que cada uma das operações "foi balizada com as taxas de mercado para termos certeza de que estávamos com as melhores para o Rioprevidência":

— À época, o investimento do banco Master fazia muito sentido, entendíamos o Master como um banco emergente, entendemos que temos novos entrantes no sistema financeiro e os grandes bancos estão ressentidos.

Em nove aportes, entre novembro de 2023 e julho passado, o Rioprevidência investiu R$ 970 milhões nas LFs do Master, cerca de 10% do patrimônio do fundo. Os valores restantes, segundo o ex-diretor, estão alocados em títulos do Tesouro Nacional e fundos de renda fixa.

Ao GLOBO, Euchério reafirmou que a direção do Rioprevidência tomou "a melhor decisão naquela situação" quando optou pelas aplicações no Master. Mas disse acreditar que a desconfiança do mercado com o banco "não deve ter ecoado muito bem" junto à administração da entidade.

— Nem sonhava que tudo isso ia acontecer. Para mim, estava "tudo bem, obrigada" com o Master. Tomamos a melhor decisão naquela situação — afirmou. — A demora do Banco Central (na definição da venda do Master ao BRB) não é boa e desencadeia um movimento de aversão a risco nos bancos menores.

Ao votar pela apuração de irregularidades nos investimentos do Rioprevidência, a relatora do caso destacou que um ofício do fundo dá conta de que a solicitação de cadastramento do banco Master no sistema do Ministério da Previdência Social aconteceu em dezembro de 2023, ou seja, depois do início dos investimentos do fundo público do Rio nos títulos da instituição financeira.

— Parece efetivamente ter havido um certo atropelo no processo de aquisição de letras financeiras do banco. Havia uma dupla falta de histórico do banco. Primeiramente, era uma instituição recentemente credenciada pelo fundo. Em segundo lugar, o produto financeiro ofertado não tinha um histórico no mercado, sendo atípica a alocação de recursos de tão grande monta, na velocidade que foi observada, em um único emissor — afirmou Marianna.

A votação foi suspensa pelo pedido de vistas do conselheiro José Maurício de Lima Nolasco.

Fonte: O Globo