Teto constitucional em ruínas
Enviado Segunda, 14 de Abril de 2025.PL que deveria acabar com os ‘supersalários’ e reduzir o gasto público com a remuneração de uma elite de servidores vai na direção oposta, mudando para manter tudo como está
Após pressões de organizações da sociedade civil, o Congresso Nacional, enfim, pausou a genuflexão que tradicionalmente presta ao poderoso e eficiente lobby dos beneficiários dos “supersalários” no funcionalismo público e decidiu enfrentar o problema. Mas o fez da pior maneira possível. Proposto em 2021, o Projeto de Lei (PL) 2.721, que tinha como objetivo original “identificar as parcelas não sujeitas ao limite remuneratório” – ou seja, definir o que, de fato, merecia a classificação de “verbas indenizatórias”, artimanha que engorda os holerites de uma casta de privilegiados em muitos milhares de reais – criou tantas exceções que, na prática, caminhou na direção diametralmente oposta: ao invés de reduzir o gasto público com o salário de servidores, amplia-o em inacreditáveis R$ 3,4 bilhões.
O valor foi calculado pelo Movimento Pessoas à Frente, organização independente que se dedica a estudar o setor público. Trazendo para a realidade cotidiana o que os “supersalários” representam de atraso para o Brasil, a diretora-executiva dessa organização, Jessika Moreira, disse ao Estadão uma verdade tão singela quanto incontestável: “O recurso que sai (do Orçamento) para pagamento desses auxílios sai do mesmo cofre do pagamento das principais políticas públicas”. Ou seja, quanto mais dinheiro vai para o pagamento de “supersalários” para a elite do funcionalismo público, menos sobra, evidentemente, para o custeio de ações do Estado que são determinantes para a vida e o bem-estar da maioria dos brasileiros. É tão simples quanto isso.
No Brasil, há poucas subversões tão grosseiras do ideal republicano quanto o pagamento desses “supersalários” para uma casta de servidores. A bem da verdade, “supersalário” descreve até com certa brandura o que é uma rematada afronta à moralidade pública e à Constituição, que define como teto remuneratório do serviço público o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – hoje fixado em R$ 46,3 mil.
Ao que tudo indica, porém, o inciso XI do artigo 37 da Constituição é letra morta neste país onde há leis que “pegam” ou “não pegam”. Dia sim e outro também, o contribuinte é humilhado ao tomar conhecimento de servidores, em sua grande maioria do Poder Judiciário e do Ministério Público, que recebem, quase todos os meses, valores muito acima do que estariam autorizados a receber caso fosse respeitado o teto constitucional. Ao fim e ao cabo, é disto que se trata: de uma desabrida violação da Constituição.
Isso acontece porque os privilegiados engendram toda sorte de ardis para receber valores extrateto à guisa de “indenização” – e sobre os quais, para piorar, não incide o mesmo Imposto de Renda que é pago pelos reles mortais. Em muitos casos aprovadas administrativamente, vale dizer, pelas instâncias de representação dos interesses classistas e/ou funcionais dos próprios servidores, as chamadas “verbas indenizatórias”, que, a rigor, deveriam ser pontuais e destinadas ao ressarcimento do servidor por despesas feitas no exercício do serviço público, passam ao largo de qualquer controle ou limitação e, na prática, acabam incorporadas a seus vencimentos.
Da forma como o PL 2.721/2021 tem sido tratado pelo Congresso, tudo leva a crer que as “mudanças”, por assim dizer, nos critérios de seleção das prebendas que devem ou não estar sob o teto remuneratório não se prestam a outra coisa senão a manter tudo rigorosamente como está.
Se deputados e senadores realmente desejam enfrentar o problema dos “supersalários”, só há um caminho possível: rever o PL 2.721/2021 de forma a reconduzi-lo ao seu espírito original, com regras claras e rigorosas que limitem, de fato, os vencimentos dos servidores ao teto constitucional. Qualquer medida em sentido contrário será vista pela sociedade, com razão, como uma vitória da esperteza sobre a moralidade, do privilégio sobre o interesse público e da omissão sobre a responsabilidade do Parlamento.
Fonte: Estadão