Fase de testes da Reforma Tributária gera incertezas

Enviado Segunda, 10 de Março de 2025.

Período de adaptação é alvo de dúvidas e impõe desafios para empresas. Aprimoramento da tecnologia é apontado como essencial por tributaristas

O ano de 2025 será decisivo para a adequação das empresas às mudanças da Reforma Tributária. Faltando dez meses para o início da fase de testes, adaptação ao novo regime tem preocupado contadores e tributaristas, visto que cerca de 6 milhões de empreendimentos têm apenas este ano para seus processos e a gestão de documentos fiscais às novas regras.

A mudança estrutural visa simplificar o sistema de arrecadação e criar um modelo mais eficiente e justo para todos os setores da economia. Entretanto, para que essa modernização se torne realidade, é indispensável um ambiente tecnológico robusto, mapeado por especialistas como um dos grandes desafios neste momento.

O novo modelo de tributação sobre o consumo passará por um período de testes e de transição a partir de 2026. A alteração completa do sistema tributário nacional só se dará em 2033, quando serão definitivamente extintos os atuais ICMS e ISS.

Ao longo desse período serão testados e entrarão em vigor os novos tributos criados pela Reforma Tributária: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual — que compreende a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), partilhado entre estados, DF e municípios — e o Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Segundo o tributarista Carlos Eduardo Navarro, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, há três grandes pilares com os quais as empresas devem se preocupar neste ano, o primeiro deles é a Tecnologia da Informação (TI).

"Todos os ajustes sistêmicos competem a esta área, para que os documentos fiscais e as obrigações acessórias, em seguida, reflitam nos novos tributos já a partir da alíquota teste que vai ser colocada em 2026. Então, haverá um grande trabalho relacionado à área de TI, já está havendo na verdade", destaca. "Toda essa parte de TI, em princípio, tem que ser finalizada ao longo de 2025, para já funcionar perfeitamente em janeiro de 2026", afirma.

O segundo grande pilar, de acordo com Navarro, são as negociações de preços e contratos, especialmente entre empresas, o chamado B2B — sigla para business to business, de negócio para negócio. "A reforma impacta de maneira diferente produtos, serviços, setores, diferentes setores. Então, sem dúvida, há aqueles que vão experimentar um aumento de carga tributária e há aqueles que vão experimentar uma redução de carga tributária. Portanto, as empresas devem negociar, especialmente seus contratos de longo prazo."

Em terceiro lugar estão os cálculos prévios relativos aos impactos da reforma, "para poder antecipar ou subsidiar as negociações". "Uma empresa que está decidindo abrir uma filial, por exemplo, precisa revisitar a malha logística, empresas que têm incentivos fiscais. Então, são várias as necessidades em torno do cálculo de impacto da Reforma Tributária para aquela empresa e para os bens e serviços que são comercializados por aquela empresa", aponta o advogado.

Plataforma

O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), junto à Receita Federal, está trabalhando na "Plataforma da Reforma Tributária", que visa criar um portal único para os contribuintes, facilitando o acesso e a compreensão da CBS e do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), promovendo maior justiça tributária e eficiência administrativa.

Previsto para entrar em operação apenas no próximo ano, o sistema deve garantir não só a automação dos processos e a integração dos tributos, mas também proporcionar um ambiente mais transparente e seguro para a arrecadação fiscal.

A plataforma, vista como essencial para o período de transição, deve operar na Nuvem de Governo, a única nuvem soberana do Brasil. Isso garante que os dados fiscais permaneçam protegidos e sob controle estatal, assegurando a integridade e a confiabilidade do novo sistema tributário.

Regimes concomitantes

Antes do processo de implementação total da Reforma Tributária, previsto para 2033, durante o período de transição, haverá uma época em que valerão os dois regimes tributários concomitantes, o que apresenta um enorme desafio, conforme destaca Rafael Balanin, sócio da área tributária do escritório Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados.

"A implementação do novo sistema prevê um período longo de convivência entre os modelos antigo e novo. Portanto, muito provavelmente teremos obrigações antigas e novas convivendo dentro dos departamentos tributários das empresas", diz.

"Nesse cenário, as equipes tributárias das empresas terão de lidar não apenas com as obrigações já existentes, como também deverão se atualizar quanto às novidades decorrentes da reforma, sem perder de vista a necessidade de manutenção de ambos os sistemas durante o período de transição. Certamente, esse momento será desafiador", acrescenta.

A falta de clareza com alguns pontos do novo regime tributário também é visto como um empecilho para que as empresas, estados e municípios possam se preparar a partir deste ano. A principal razão, de acordo com Balanin, são as regras que ainda estão no Projeto de Lei Complementar (PLP) 108, em tramitação no Congresso.

O texto detalha a estrutura e as atribuições do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS). Por meio dele é que será definida a fiscalização, o contencioso e o funcionamento do comitê gestor. "Eu diria que ainda há uma grande falta de clareza em tudo isso", ressalta.

"Ainda são necessárias muitas definições sobre as novas obrigações acessórias, ou adaptação das existentes, sobre as alíquotas-base de cada um dos novos tributos, entre outros detalhes importantes para o regular exercício da atividade empresarial", lembra o advogado. "Isso sem falar na aprovação do projeto de lei que estabelece o regramento do Comitê Gestor do IBS, órgão fundamental para a solução de conflitos e gestão do IBS em âmbito nacional", emenda

Judicialização

A judicialização é outro fator de risco no radar dos tributaristas no momento. De acordo com Carlos Eduardo Navarro, a maior chance de que isso aconteça é em casos de bitributação, que ocorre quando dois entes tributantes cobram dois tributos sobre o mesmo fato gerador. "Há tributos que não serão excluídos e que devem continuar em algumas situações, incidindo junto com os novos tributos. É o caso basicamente do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para as instituições financeiras, para o mercado financeiro em geral e também para seguros", explica.

"O IOF, me parece que deveria ter sido, sim, substituído pelos novos tributos, justamente para evitar essa bitributação, e também o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), no setor imobiliário. Esses são casos que me parecem casos de bitributação que vão ser objeto de judicialização muito em breve", avalia.

Planejamento de caixa

Apesar do tempo de adaptação parecer longo, o advogado tributarista Lucas Ribeiro, CEO da ROIT e um dos coordenadores do Curso de Implementação da Reforma Tributária da Trevisan Escola de Negócios, alerta para a necessidade de um planejamento estratégico desde já. "No período de transição vão ocorrer mudanças, ainda há um longo período, mas o que sabemos até aqui é mais do que suficiente para implementar a Reforma Tributária", frisa.

Ribeiro ainda aconselha negociações antecipadas com os fornecedores, pois produtos ficarão mais caros, cabendo uma avaliação de formação de estoque ou compra antecipada, por exemplo. Segundo ele, algo que praticamente todas as empresas terão a necessidade de fazer é o aumento de caixa. "Como o Fisco sempre receberá antes — seja o CBS, no caso da Receita Federal, ou o IBS, no caso dos estados e municípios —, as empresas terão necessidade de capital de giro para fazerem o pagamento", afirma.

Fonte: Correio Braziliense