Fiscalização já apreendeu 112 mil produtos falsificados no Rio
Enviado Segunda, 28 de Abril de 2025.Além de oferecer riscos à saúde pública, a fraude alimenta organizações criminosas e lesa as marcas copiadas
Em camelódromos espalhados pelo Rio, roupas e acessórios de grifes de luxo, além de celulares de última geração vendidos a preços muito abaixo dos praticados no mercado, deixam claro que são produtos falsificados. Esse comércio paralelo, no entanto, ultrapassa as bancas dos ambulantes e tem enganado consumidores em supermercados e restaurantes do estado. Fica difícil perceber que aquela caixa de sabão em pó de marca conhecida, escolhida na prateleira de uma loja, pode conter um produto de procedência duvidosa. Segundo a Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor, mais de 90 toneladas desse tipo de artigo de limpeza pirata foram apreendidas apenas no ano passado.
Uma indústria criminosa cada vez mais sofisticada também foca em bebidas alcoólicas e alimentos, como café e azeite, cujos preços dispararam nos últimos meses. Além de oferecer riscos à saúde pública, a fraude alimenta organizações criminosas e lesa as marcas copiadas. Só no ano passado, a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) apreendeu mais de um milhão de objetos falsificados, entre peças de vestuário, perfumaria, alimentícios, eletrônicos, bebidas e acessórios. Nos primeiros quatro meses deste ano, mais de 112 mil itens foram encontrados pelos agentes — uma média de 930 por dia.
Crime sofisticado
Assim como em qualquer negócio, o mercado das falsificações está atento à demanda, para aumentar seus lucros. Isso explica o crescente número de apreensões envolvendo pirataria de azeite, café e sabão em pó. A Unilever, responsável pela marca de sabão em pó mais falsificada no Rio, divulgou um informativo com orientações para identificar a autenticidade do produto. Uma das principais recomendações é observar o fechamento das embalagens: as falsificadas são lacradas com cola quente, enquanto as originais têm picotes.
Além disso, os produtos verdadeiros contam com marcas holográficas do fabricante, visíveis sob luz negra, o que facilita a verificação por órgãos de fiscalização. Ainda assim, as falsificações podem passar despercebidas, e a fabricante tem investido em tecnologias importadas para diferenciar suas embalagens, como uma tinta especial trazida da Alemanha para aplicação nas caixas.O mesmo desafio é enfrentado pela indústria do café. Com o mercado de produtos paralelos cada vez mais aprimorado, até o selo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) vem sendo reproduzido. O delegado Victor Tutman, da DRCPIM, destaca que a indústria que falsifica esse tipo de produto investe milhões para imitar as embalagens.
— Uma máquina usada para embalar café custa em torno de R$ 2,5 milhões. O consumidor comum, ao olhar para o pacote, não percebe que é um produto falso. Só mesmo um especialista, mais atento, vê as diferenças. Por fora, o produto se parece muito; por dentro, viola os padrões dos órgãos reguladores — explica Tutman.
Selo holográfico
Christiane Monteiro, coordenadora de projetos da Abic, afirma que o selo falsificado costuma apresentar diferenças no tamanho, mas os criminosos fazem de tudo para imitá-lo. Por essa razão, a entidade disponibiliza um aplicativo, o ABICafé, para que os consumidores verifiquem a autenticidade do selo.
— A falsificação está mais elaborada, com embalagens muito semelhantes às originais. Como o número de casos tem aumentado, é importante que o consumidor verifique a autenticidade do selo por meio do QR code ou do código de barras. É uma forma de garantir que o produto que está sendo comprado é verdadeiro — orienta.
Outro exemplo de produto que é muito falsificado é o azeite. Após a disparada no preço, centenas de litros falsificados foram encontradas à venda no estado. Segundo a polícia, a adulteração pode ocorrer com a mistura de óleos diversos ou com a modificação de embalagens.
No fim do ano passado, agentes da 35ª DP (Campo Grande) descobriram uma fábrica em Guaratiba que retirava os rótulos de azeites proibidos pelo Ministério da Agricultura e os substituía pelos de uma marca inexistente. Posteriormente, os lotes eram vendidos a supermercados.
Só nos primeiros meses de 2025, mais de quatro mil unidades de bebidas alcoólicas falsificadas foram apreendidas no Rio pela Polícia Civil. Em fevereiro, a DRCPIM encontrou um depósito que operava com entregas por aplicativo na Grande Tijuca, na Zona Norte da cidade. O local foi fiscalizado com a ajuda de denúncias de pessoas que passaram mal após consumir os produtos. Foram encontrados indícios de adulteração em milhares de garrafas de cerveja.
Cerveja, alvo preferencial
Cristiane Foja, presidente-executiva da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), afirma que a cerveja é o produto mais falsificado no país, por ser amplamente consumido. No entanto, vinhos, espumantes e destilados também são alvos frequentes dessas quadrilhas. No início de abril, a Secretaria estadual de Defesa do Consumidor encontrou garrafas de uísque falsificado em um restaurante de alto padrão em Ipanema.
Segundo ela, investigações já indicaram que esse tipo de crime é uma das fontes de renda da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e pode estar financiando organizações criminosas no Rio.
— Fica o alerta: o problema é grave e pode estar sustentando outras atividades criminosas, resultando em perdas irreparáveis, inclusive de vidas. Além disso, o crime organizado não tem ética nem pudor: eles colocam qualquer substância nas bebidas. Já identificamos desde altos níveis de metanol, substância tóxica e extremamente prejudicial à saúde, até solvente de carcaça animal. Há ainda o problema das condições de preparo, que ocorrem muitas vezes em ambientes insalubres, com sérios riscos sanitários — afirma.
A executiva ressalta que os produtos mais falsificados são os comercializados em garrafas de vidro, justamente porque os criminosos reutilizam frascos originais.
— A reciclagem não é apenas uma questão ambiental, mas também uma forma de proteger o consumidor contra a falsificação. Por isso, sempre orientamos que, ao descartar uma garrafa, o consumidor faça a descaracterização do recipiente. Atitudes simples, como rasgar o rótulo, riscar a garrafa ou separar a tampa, já dificultam a ação do mercado ilegal — alerta.
O secretário de Defesa do Consumidor, Gutemberg Fonseca, pede aos consumidores que desconfiarem da originalidade de um produto que façam denúncias pelos canais de atendimento do Fala Consumidor — https://www.rj.gov.br/ sedconsumidor/. Este mês, o órgão promoveu um workshop para ensinar 140 agentes públicos a identificar produtos ilegais e combater a fraude.
— A secretaria está acompanhando esses casos para garantir que encontremos uma solução para o problema — afirmou Fonseca.
Fonte: Extra