Estados têm limitações para subir preço de combustíveis, dizem especialistas

Enviado Quarta, 19 de Fevereiro de 2025.

ICMS cobrado sobre gasolina e diesel prevê valor fixo por litro; alta é uma vez por ano e sistema garante previsibilidade

As falas recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a “culpa” dos preços dos combustíveis é “dos intermediários” geraram reações de agentes do setor. Empresários e especialistas alertam para a composição do valor final cobrado nos postos e ressaltam que a tributação estadual não tem mais a mesma volatilidade que tinha há poucos anos.

Em meio à divulgação de pesquisas que mostram a queda de popularidade do governo, Lula afirmou que a Petrobras é responsável por uma parcela minoritária do preço final e disse que a culpa pelos reajustes cai sempre sobre o governo federal, mesmo quando há alta nas alíquotas de ICMS sobre o diesel e a gasolina. Mas do total do preço final, quase metade da gasolina cabe à estatal e aos impostos federais, parcela que supera os 50% no caso do diesel. Ao mesmo tempo, os governadores têm pouca margem de manobra para elevar o ICMS dos combustíveis.

Os preços dos combustíveis são formados por cinco elementos. No caso da gasolina, 34,7% cabem à Petrobras; 10,8% são impostos federais; 23,1%, impostos estaduais; 13,8% é etanol anidro; e 17,6% são da distribuição e revenda. O preço do diesel é formado por 46,8% da Petrobras; 4,9% de impostos federais; 17,3% de impostos estaduais; 12,5% são a parcela de biodiesel; e 18,4% para distribuição e revenda. No Brasil, o preço médio do litro da gasolina é R$ 6,37, enquanto o preço médio do litro do diesel é R$ 6,47, conforme dados da Petrobras de 9 a 15 de fevereiro.

A tributação estadual é outro ponto relevante. Em 2022 houve mudanças em âmbito federal na legislação do ICMS. Essas alterações resultaram na redução das alíquotas de ICMS cobradas em setores importantes para a arrecadação estadual, como energia elétrica, comunicação e combustíveis. Com isso, esses setores perderam fatia na arrecadação total de ICMS. Segundo os últimos dados disponíveis do Conselho de Política Fazendária (Confaz), de 2023, a arrecadação do imposto sobre combustíveis representou 16,6% da receita total agregada de ICMS naquele ano, abaixo dos 17,5% de 2021 e dos 17,8% de 2019.

A arrecadação total de ICMS perdeu força desde 2022, em grande parte devido a medidas que limitaram as alíquotas nos três setores estratégicos. Antes, o imposto nesses setores chegava a ter alíquotas próximas a 30%, dependendo do Estado. Leis complementares federais de 2022, porém, estabeleceram que esses setores só poderiam ser tributados com alíquota limitada à alíquota padrão - também chamada de alíquota geral ou modal - do Estado. A reação de parte dos Estados, desde 2022, foi elevar a alíquota modal. Desde então 18 Estados, além do Distrito Federal, aumentaram a alíquota geral do ICMS pelo menos uma vez. A alíquota padrão média do imposto subiu de 17,61% em 2022 para 19,24% em 2025.

No mesmo bolo de mudanças que veio desde 2022, a arrecadação de ICMS sobre combustíveis também foi alterada. Essa cobrança passou a ser “ad rem”, com um valor fixo por litro. Na gasolina, por exemplo, o ICMS é de R$ 1,47 por litro em todos os Estados. No diesel, R$ 1,12 por litro.

O valor cobrado por litro é o mesmo em todo o país, com alteração uma vez ao ano, explica a tributarista Ana Cláudia Utumi, da Utumi Advogados. Até 2022, lembra, a cobrança era “ad valorem”, com a aplicação de uma alíquota sobre o preço do combustível. Por isso, oscilações dos preços se refletiam imediatamente no valor do imposto arrecadado. Agora, a cobrança “ad rem” considera a média da alíquota modal, que aumentou nos últimos dois anos, mas ainda é mais baixa do que se praticava anteriormente, explica Utumi.

“A situação é melhor do que a que tínhamos no passado, quando as alíquotas eram muito mais altas, e a definição disso era por Estado. Hoje temos uma alíquota mais baixa, baseada na que incide em todos os outros produtos, e uma cobrança uniforme em todo o país. Isso é positivo, dá maior segurança jurídica”, diz. “É injusto o presidente Lula culpar os Estados pela alta no caso dos combustíveis, porque hoje isso segue a alíquota geral e há previsibilidade. Os Estados estão fazendo a mudança [do valor de ICMS cobrado por litro] uma vez ao ano. Não estão fazendo a mudança ao seu bel prazer.”

Além da alíquota modal, explica Utumi, a definição do “ad rem” também considera a variação de preços em 12 meses, contabilizando as oscilações na ponta. As alíquotas, nesse caso, são definidas em reuniões que começam em outubro e são baseadas em coletas de preços feitas por equipes técnicas. Desde 2022, diz ela, as novas alíquotas são formalizadas em convênio do Confaz em novembro e passam a valer em fevereiro do ano seguinte. Na última mudança, que passou a valer este mês, aponta, o ICMS do diesel e da gasolina subiu, mas a do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) foi reduzido de R$ 1,41 por litro para R$ 1,39 por litro.

Utumi lembra ainda que em 2022, além de impor alíquotas mais restritivas ao Estado, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro também reduziu o PIS e a Cofins cobrados sobre combustíveis. Essa redução, porém, foi revertida no decorrer de 2023 e 2024.

O aumento de arrecadação dos Estados passa, portanto, a depender dos volumes vendidos. Em 2023, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foram vendidos no país 65,5 bilhões de litros de diesel e 46 bilhões de litros de gasolina nos postos brasileiros, crescimentos de 3,61% e 6,99%, respectivamente, frente ao ano anterior. No ano passado foram 67,2 bilhões de litros de diesel, uma alta de 2,62%, e 44,2 bilhões de litros de gasolina, uma queda de 4,02%.

Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), diz que a discussão sobre preços dos combustíveis só se resolverá se houver uma decisão da sociedade quanto ao uso desses produtos: “Precisamos decidir se o país quer ganhar dinheiro com combustíveis, e portanto cobrar mais impostos sobre eles, ou se quer torná-los mais baratos para os consumidores, e tomar atitudes para tal”, diz, citando ações que podem ser tomadas para facilitar a cadeia, como melhoria da forma de distribuição, reformas nas estradas e construção de dutos.

A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), que reúne 34 sindicatos patronais e representa cerca de 45 mil postos de combustíveis, ressalta, em nota, que a cadeia de combustíveis é complexa e pouco conhecida pela sociedade e pelos governantes: “A gasolina que sai das refinarias é pura e ainda não está pronta para o consumo final”, diz a nota.

Fonte: Jornal Valor Econômico