Incentivo a programa de hidrogênio de baixo carbono será ‘cirúrgico”, diz Dubeux

Enviado Terça, 20 de Agosto de 2024.

Secretário da Fazenda responsável pela agenda ecológica critica acréscimos em projeto de lei sobre eólicas offshore e vê impacto enorme para consumidor de energia

Objeto de uma lei sancionada no último dia 2, o programa brasileiro para o hidrogênio de baixo carbono é um exemplo da nova política de desenvolvimento que o governo quer implementar. Nela, os incentivos fiscais são pequenos, “cirúrgicos”, limitados no tempo e atrelados a critérios de eficiência. A subvenção será leiloada, privilegiando projetos maduros e menos dependentes da ajuda governamental. Os beneficiados terão, necessariamente, que desenvolver a cadeia produtiva no país.

“Temos que ter uma política industrial que não seja simplesmente para proteger um setor que não tem mais capacidade de competir, e sim uma política industrial que impulsione nossa capacidade tecnológica e produtiva nessas áreas que têm potencial de futuro no longo prazo”, disse em entrevista ao Valor o secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, um dos responsáveis pela agenda de transformação ecológica.

Ele cita a lei do hidrogênio para afirmar que a agenda da sustentabilidade não está parada no Legislativo. A pauta verde, inclusive, será tema de um pacto entre os três Poderes da República, que deve ser formalizado na quarta-feira (21), em evento no Palácio do Planalto. Há 26 medidas previstas e deve ser criado um comitê gestor conjunto, que acompanhará a implementação de cada uma das ações. O secretário, contudo, preferiu não falar do pacto, já que o lançamento ainda vai acontecer.

Outro avanço na agenda, disse, é a lei que regula as debêntures de infraestrutura, de 2023. Nela, projetos que utilizam petróleo e carvão foram impedidos de ter acesso ao incentivo fiscal associado a esses papéis. Em contrapartida, projetos em áreas novas e verdes passaram a ser beneficiados.

Dubeux acredita que o Brasil poderá deixar como legado de sua presidência no G20 o anúncio do Tropical Forest Forever Facility (TFFF), atualmente em negociação. Trata-se de um fundo que financiará a preservação de florestas - algo que está fora do escopo do mercado de créditos de carbono. Com isso, avalia o entrevistado, pode ser atendida uma demanda “legítima” do agronegócio brasileiro.

O governo mantém diálogo com o Congresso para tentar avançar com o projeto de lei que trata do mercado de carbono. No caso das eólicas offshore, o texto recebeu um conjunto de enxertos que tratam de outros temas e que elevam fortemente a conta de luz para o consumidor.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Hidrogênio verde

O projeto sancionado pelo presidente é um marco, porque traz clareza regulatória: quem regula, quem autoriza, como é que funciona o processo do hidrogênio no Brasil. Isso era uma zona cinzenta. Traz um modelo de certificação voluntária. E a terceira parte, que acabou gerando um certo tumulto no Legislativo no final, são os incentivos para a indústria do hidrogênio. São temporários, focados, desenhados de maneira a incentivar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico.

R$ 18 bilhões para o hidrogênio

Esse valor [de incentivo] é o teto para cinco anos. Pode ser menor. E não achamos que não pode haver mais nenhum incentivo [fiscal no país]. O problema é que [nos últimos anos] houve descontrole no volume. Trabalhamos para revisar esse volume e garantir que os que existirem serão focados num desenho de país que queremos construir para o longo prazo. Eu diria até que é um modelo para outros incentivos: com “phasing out”, para dar um impulso inicial, com foco em desenvolvimento de tecnologia e adensamento tecnológico. Diferente do que tivemos no passado recente: incentivos que se eternizam e não têm nenhum padrão de eficiência.

Desenvolvimento de cadeias

O que estamos definindo é usar incentivos cirúrgicos. Não incentivos generalizados, com foco em simplesmente importar equipamentos para produzir hidrogênio e exportar. Queremos desenvolver as cadeias produtivas vinculadas ao hidrogênio. Então, em vez de exportamos o hidrogênio para descarbonizar a siderurgia europeia, podemos colocar isso na siderurgia aqui no Brasil, e exportar o aço verde, ou um fertilizante verde. No caso do hidrogênio, temos uma janela de oportunidade global. O Brasil, segundo vários estudos, pode ter o hidrogênio de baixo carbono mais barato do mundo, ou um dos mais baratos. Temos chances de liderar essa indústria aqui.

Subsídio será leiloado

Adensamento tecnológico é um dos critérios para alocação do subsídio. O crédito financeiro será alocado num leilão. Não é simplesmente chegar primeiro e ter a garantia de uma subvenção de “x” reais. Vamos dar uma subvenção por meio de leilão, que no fundo é: quem precisa de menos subsídio para colocar um projeto de pé. É um tema que gerou muito debate lá no Senado, mas foi aprovado. Quem precisar de menos [subsídio] é quem vai ganhar o leilão. É uma nova forma de alocar um incentivo tributário.

Debêntures de infraestrutura

Antes, tínhamos as debêntures incentivadas, que davam um incentivo para o comprador. No ano passado, foi aprovado um novo modelo, chamado de debênture de infraestrutura, que dá o incentivo para o tomador. Isso ampliou o volume de potenciais compradores. Mudamos os critérios de elegibilidade dos projetos que podem entrar. Pelo modelo anterior, projetos de petróleo e de carvão, por exemplo, eram elegíveis. Deixaram de ser. Essa é uma mudança muito substancial. Em compensação, acrescentamos alguns setores que são centrais para a transformação ecológica, entre os quais hidrogênio, captura de carbono, projetos de renováveis, incluindo armazenamento de energia e ampliação da produção de minerais críticos.

Fundo Clima

Fizemos a primeira emissão dos títulos soberanos sustentáveis no ano passado, levantamos US$ 2 bilhões. Em maio deste ano houve uma segunda emissão, de US$ 2 bilhões, captados com a taxa um pouco menor do que a do ano passado. Esse volume de recursos foi alocado no Fundo Clima, que é gerido pelo BNDES, e já está desembolsando um volume muito expressivo de recursos para projetos ligados à transformação ecológica, com taxas de juros bem mais baratas do que tem disponível no mercado, e sem precisar de subsídio. Ao longo dos últimos anos, o Fundo Clima desembolsava algo como R$ 200 milhões por ano. Agora tem um volume de R$ 10 bilhões. É um aumento de 50 vezes.

Nova emissão verde

A emissão dos títulos soberanos sustentáveis é um programa. Então, a ideia é que todo ano tenha uma ou duas captações. O momento exato depende da avaliação da equipe técnica do Tesouro. Temos agora uma tendência forte de haver uma queda da taxa de juros dos Estados Unidos em setembro. Isso tudo vai melhorando, ampliando a liquidez do mercado e vai ser observado para encontrarmos o momento de fazer uma nova captação. A ideia é ter um programa de captação, para todo ano alocar algo da ordem de R$ 10 bilhões no Fundo Clima.

Fundo de florestas

Vem avançando muito é a discussão do TFFF, que é o Tropical Forest Forever Facility, o Fundo Internacional de Florestas. Não é trivial, estamos falando de um fundo de algumas dezenas de bilhões de dólares. Estamos muito otimistas que esse possa ser um dos grandes legados da participação do Brasil na presidência do G20 e na COP. Há uma nota conceitual que já está pronta, e agora as equipes técnicas estão amadurecendo as várias regras. São muitas regras complexas que têm que ser tratadas, não só da estruturação financeira do fundo, mas também do monitoramento e da distribuição de recursos para os países que estão preservando floresta. As equipes estão mergulhadas nisso, mas eu posso dizer que o tema está avançando bastante e vários países estão dispostos a contribuir.

Resposta ao agro

A mera preservação da floresta não gera crédito no mercado de carbono, porque a ideia do crédito é sequestrar carbono. Com esse fundo, teremos uma maneira de financiar a mera preservação da floresta, que é uma demanda legítima dos produtores rurais no Brasil. Haverá um custo de oportunidade em manter a floresta em vez de fazer alguma outra atividade econômica. É importante dizer que não se trata de doação ou filantropia. Quem colocar dinheiro no fundo será remunerado.

Eólicas offshore

Está mais complicada a situação do projeto de lei, por causa dos acréscimos que colocaram, que trazem um impacto enorme para o consumidor de energia. Colocaram subsídio para carvão -um contrassenso com a agenda que o governo está fazendo de diminuir a dependência de combustíveis fósseis. Não há dúvida de que o Brasil ainda precisa ter combustíveis fósseis por muitos anos. O mundo inteiro ainda precisa, porque não dá para depender só de fontes intermitentes. Mas outra coisa é dar um subsídio sem critérios, da forma que está colocado no projeto. Na prática, a consequência seria encarecer a conta de luz sem trazer segurança energética adicional para o Brasil. Do jeito que o relatório está, acreditamos que o custo para o consumidor de energia elétrica no Brasil não compensa. É uma pena, porque estrategicamente é um projeto muito importante. Então, por isso, queremos construir alguma maneira de viabilizar a aprovação do marco legal das eólicas no mar.

Mercado de carbono

O tema ficou travado não tanto por divergência de mérito, mas devido a um problema de trâmite legislativo. No mérito, o texto está bastante maduro. Temos conversado com vários setores, e a senadora Leila [Barros, do PDT-DF] está construindo um relatório muito equilibrado, tentando incorporar, inclusive, as contribuições que vieram da Câmara. Temos uma expectativa de votação em breve.

Novo modelo de desenvolvimento

Historicamente, a Fazenda atua em dois grandes temas. O primeiro é a estabilidade macroeconômica, e eu acredito que, com todas as dificuldades naturais, os indicadores estão muito positivos: PIB [em alta], taxa de desemprego e inflação baixas. A segunda frente de ação do ministério é relacionada à melhoria do ambiente de negócios e à eficiência econômica. É uma agenda que também vem avançando bem: o marco legal de garantias, a mudança no setor de seguros que está em discussão, o Desenrola e a reforma tributária, que é um marco na história do país. E agora temos uma terceira frente de trabalho, que é o Plano de Transformação Ecológica, que dá uma diretriz, um norte para o novo modelo de desenvolvimento. Então, queremos ter um ambiente com estabilidade macroeconômica, ambiente de negócio competitivo e eficiente, mas precisamos ter um norte de longo prazo, uma direção para o desenvolvimento, que são esses arranjos e essas mudanças que estamos fazendo. Sair desse modelo tradicional, extrativo, de baixo valor agregado, desigual e prejudicial ao ambiente para um modelo que seja intensivo em tecnologia, de baixo impacto ambiental e mais distributivo.

Política Industrial

Temos que ter uma política industrial que não seja simplesmente para proteger um setor que não tem mais capacidade de competir, e sim uma política industrial que impulsione nossa capacidade tecnológica e produtiva nessas áreas que têm potencial de futuro no longo prazo.

Fonte: Jornal Valor Econômico