'Traidor' x 'Quem está nervoso é ele': das farpas às exonerações, entenda o embate entre Eduardo Paes e Cláudio Castro

Enviado Terça, 20 de Agosto de 2024.

Enfrentamentos ilustram como a verdadeira polarização na disputa carioca tem sido entre prefeitura e estado

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), reagiu à estratégia do prefeito da capital e candidato à reeleição, Eduardo Paes (PSD), de transformá-lo no principal alvo de críticas durante a campanha deste ano. Até então, Castro havia se manifestado apenas com declarações ao GLOBO na semana passada, mas agora partiu para o ataque em duas frentes: respondeu aos ataques de Paes de forma dura nas redes sociais e exonerou do governo ontem um secretário do PSD. A expectativa é de que outras demissões de pessoas ligadas a políticos que estão pedindo voto para o prefeito sejam publicadas a partir de hoje.

A troca de farpas e o jogo de exonerações ilustram como, na prática, a verdadeira polarização na disputa carioca tem sido entre prefeitura e estado — muito mais do que uma esperada nacionalização, devido à proximidade de Paes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Alexandre Ramagem (PL), apontado como principal adversário, com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Além de ser correligionário de Ramagem, o governador tem as digitais nas candidaturas de Rodrigo Amorim (União) e Marcelo Queiroz (PP).

Castro demitiu ontem o secretário Felipe Peixoto, filiado ao partido do prefeito, da pasta de Energia e Economia do Mar. O gesto foi visto como simbólico, focado na legenda em si. Peixoto, cuja base é Niterói, tem mais vínculos com o deputado federal e ex-secretário Hugo Leal (PSD) do que com Paes. Não é, portanto, da mesma ala da sigla. A ideia do governador é sinalizar que pessoas envolvidas na campanha do prefeito não vão ter espaço no governo.

‘Nervosinho e traidor’

No fim de semana, depois de Paes voltar a associar Ramagem a Castro e ao ex-governador Wilson Witzel, alvo de impeachment em 2021, o chefe do Guanabara desferiu golpes duros. Em resposta direta ao prefeito nas redes sociais, voltou a dizer que ele seria um “estelionatário” que, na verdade, estaria interessado apenas na eleição estadual de 2026, repetindo ataque que já havia feito após o primeiro debate da campanha.

Nas publicações, contudo, ele elevou o tom a patamares inéditos e acusou Eduardo Paes de ser “nervosinho” e “traidor”.

“O povo será o próximo a ser traído”, escreveu Castro. “Aliás, Eduardo é o maior colecionador de traições da história do Brasil: já traiu Cesar Maia, Lula, Dilma, Pezão e o seu sócio e pai, Sérgio Cabral”.

Durante agenda numa escola de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, que teve a nota mais alta do município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Paes comentou os ataques e negou participação na entrada de Felipe Peixoto no governo do estado.

— Ele (Castro) é que está lá nervoso com alguma coisa. A única coisa que eu falei é que o candidato dele é o Ramagem e que ele cuida da segurança pública. Não é? Isso é uma ofensa? — questionou. — O partido não tem qualquer participação no governo dele. Acho que é normal ele não querer a nossa vitória aqui na cidade. É natural que ele defenda os candidatos dele. Convivo e o respeito. Mas o meu apoio político ele não vai ter. Como eu também, orgulhosamente, falo que não tenho o apoio político dele.

Paes tem martelado críticas ao governador na área de segurança. É uma forma de jogar a responsabilidade do tema, prioritário na campanha de Ramagem, para o estado, que tem as polícias. Ao fazê-lo, também coloca em xeque a capacidade do candidato de ser eficiente na segurança, já que o grupo político ao qual ele pertence estaria fracassando na esfera estadual.

Em última instância, a estratégia ainda prepara o terreno para 2026, quando o prefeito deve concorrer ao Palácio Guanabara tendo como adversário algum aliado do atual governador. Apesar dos indícios, ele nega a intenção.

Divulgado na semana passada, o Ideb fez com que a educação também virasse munição para o prefeito. Como a capital teve bom desempenho no indicador, enquanto o estado foi mal, Paes abordou em mais de uma publicação nas redes o descompasso entre os dois entes. Ao compartilhar os números, indicou que o grupo de Castro “não fez” o que lhe cabia e agora quer “destruir a prefeitura o Rio”.

Outro cabo eleitoral de Paes que deve perder cargos nos próximos dias é o deputado federal Otoni de Paula (MDB). Os indicados pelo parlamentar evangélico estão, por exemplo, na Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj). Um irmão de Otoni, Renato de Paula, comandava o órgão até poucos meses atrás, quando saiu do cargo para ficar apto a concorrer a vereador.

Também são aventadas as exonerações de pessoas ligadas a deputados estaduais do PP, Patriota e Avante, além de filiados ao Solidariedade e ao Podemos. No caso dos indicados por parlamentares da Assembleia Legislativa, contudo, a classe política ainda coloca em dúvida uma demissão em massa. Castro, avaliam observadores, criaria problemas para si mesmo na Alerj se tirasse dos deputados tudo o que eles têm no governo.

Alguns dos alvos da “limpa” no estado ganharam cargos recentemente na prefeitura do Rio. Otoni emplacou pastores aliados na Fundação Jardim Zoológico, no início deste mês, como mostrou o GLOBO na semana passada. Apesar de ligado ao bolsonarismo nos últimos anos, e de o MDB apoiar Ramagem, o deputado da Assembleia de Deus em Madureira resolveu abraçar a campanha de Paes. Ele tem atuado junto aos evangélicos e aparecido com frequência ao lado do candidato à reeleição.

Já o Podemos é presidido na capital por Marcos Dias Pereira, candidato a vereador com aval de Paes. Irmão do ex-presidenciável Pastor Everaldo, Pereira ingressou no primeiro escalão da prefeitura em agosto do ano passado, quando foi nomeado secretário de Integração Metropolitana. Meses depois, embora ainda sem expor a tônica de retaliação, Castro demitiu a então secretária estadual de Trabalho, Kelly Matos, que era uma indicação de Everaldo, e nomeou no lugar dela um deputado estadual do Podemos, Arthur Monteiro.

Há cerca de dois meses, Monteiro também perdeu o cargo e foi substituído pelo deputado estadual Filipinho Ravis (Solidariedade). Ao GLOBO, Pastor Everaldo afirma não ver “nada de anormal” nas mudanças. Ele lembrou que abrigou Castro no início de sua trajetória política, como vereador, no PSC — partido que era dirigido pelo pastor e foi incorporado ao Podemos em 2022 — e alegou que os atritos entre Paes e Castro ficarão restritos ao período eleitoral, sem maiores sequelas.

— O governador é nosso amigo, nasceu no PSC. Só que na capital estamos caminhando com Paes. Está tudo tranquilo, depois do dia 6 de outubro (data do primeiro turno das eleições municipais), isso acaba — afirma.

Influência de Romário

Outra frente de atrito entre as campanhas é o apoio de Romário (PL), correligionário de Ramagem, a Eduardo Paes. Persona non grata no bolsonarismo — a despeito do vínculo partidário —, o ex-jogador tem influência em nomeações para duas pastas municipais: Esportes e Pessoa Com Deficiência. O ex-jogador é um entre vários dissidentes de partidos que, apesar de serem de siglas associadas a outras candidaturas, têm pedido voto para o prefeito na eleição.

Ex-mulher e mãe de uma das filhas do “baixinho”, Danielle Favatto Grijó Costa ocupa um cargo em comissão na secretaria voltada para os deficientes desde agosto de 2021. “Senador Romário, obrigada pelo apoio à nossa secretaria”, publicou ela no Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Danielle também tem feito publicações de apoio ao irmão de Romário, Ronaldo Faria (PL), candidato a vereador.

Na mesma pasta, Romário teria participado também da escolha da atual secretária, Helena Werneck. Já a secretaria de Esportes é um tradicional reduto do ex-jogador desde a outra passagem de Paes pela prefeitura.

Fonte: O Globo