Maioria dos estados terá déficit em 2024; rombo agregado é de R$ 29 bi, aponta estudo da Firjan
Enviado Segunda, 29 de Abril de 2024.Apenas São Paulo, Amapá, Espírito Santo e Mato Grosso devem fechar as contas no azul este ano
Entre as 27 unidades da federação do país, 23 deverão fechar o ano com as contas no vermelho. O saldo negativo chega a alcançar R$ 29,3 bilhões, na soma de todos os déficits previstos. É o que estima estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), com base nos dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Apenas quatro estados terão receita suficiente para cobrir as despesas. São eles: São Paulo, Amapá, Espírito Santo e Mato Grosso.
O Rio de Janeiro é o estado com maior déficit previsto para este ano: R$ 10,4 bilhões. Em seguida, aparece Minas Gerais, com estimativa de R$ 4,2 bilhões negativos, depois o Ceará, com previsão de saldo negativo de R$ 3,9 bilhões. Também no "top 5" da lista estão o Paraná, com R$ 3,5 bilhões de déficit previsto e o Rio Grande do Sul, com R$ 3,1 bilhões.
Segundo a Firjan, há um descompasso entre receitas e despesas por uma combinação de fatores. A entidade estima que as despesas estaduais crescerão 7% este ano, enquanto as receitas subirão apenas 3,2%.
Jonathas Goulart, gerente de pesquisa econômica da Firjan, explica que o atual quadro ainda reflete o período da pandemia e a alteração no ICMS em 2022, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, além das despesas com pessoal, principalmente previdenciária.
Segundo o economista, se em 2021 os estados chegaram e ter uma folga no orçamento porque a pandemia os impedia de gastar com pessoal e a arrecadação teve um salto em meio à de inflação de produtos que incidem impostos estaduais, este cenário começou a se reverter em 2022. Ele critica ainda a mudança no ICMS, realizada no período pré-eleitoral e sem levar em conta a sustentabilidade de médio e longo prazo dos estados.
— Em 2023, começamos a ver o início do processo de deterioração das contas públicas estaduais, com arrecadação menor dos estados.
Para sair do sufoco e reduzir as dívidas, os estados acabam pedindo ajuda ao governo federal. Mas Goulart explica que a saída não resolve o dilema das contas públicas que exigem a adoção de uma gestão fiscal responsável e uma política austera. Sem arrecadação suficiente e com boa parte do orçamento comprometido com pessoal, os investimentos ficam prejudicados e o crescimento econômico fica limitado.
Para dar a dimensão da rigidez orçamentária, o estudo mostra que cerca de 50% do orçamento das unidades da federação em 2023 foi destinado ao pagamento de despesas com pessoal ou com juros e amortizações da dívida, que são de caráter obrigatório.
— É um cenário que é bastante grave porque, uma vez que os estados aumentam suas despesas com pessoal, não conseguem reduzir nos anos seguintes.
Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o desequilíbrio nas contas dos estados, e também das prefeituras, é estrutural.
Os rombos podem ser agravados ou mitigados com medidas pontuais – como a limitação da cobrança do ICMS sobre combustíveis, adotada em meados de 2022, ou renegociações das dívidas com a União –, mas, no longo prazo, tendem a aumentar. Tudo por causa dos gastos com a Previdência dos servidores.
No estudo, a Firjan ressalta que a Reforma da Previdência, de 2019, não foi suficiente para garantir o equilíbrio orçamentário. Em 2022, o déficit previdenciário das unidades da federação foi de R$ 86,1 bilhões, nas contas da entidade.
Segundo Velloso, os gastos com a Previdência dos funcionários públicos são crescentes, por causa da dinâmica de envelhecimento da população e de regras frouxas de aposentadorias. A situação chegou a um ponto em que não adianta só reformar as regras previdenciárias. Nos últimos anos, Velloso vem defendendo um saneamento geral das Previdências estaduais, com coordenação da União.
— É uma estória relativamente simples e implacável. Não tem como sair dessa com medidas tópicas ou simplificadas. Temos que buscar uma solução que caminhe no equacionamento dos déficits previdenciários.
Na proposta de Velloso, esse “equacionamento” seria feito via fundos de Previdência, em cada estado. Haveria reforma de regras de aposentadoria e elevação de contribuições, mas os fundos também seriam capitalizados com ativos, com ajuda do governo federal.
Sem isso, o caixa dos estados e das prefeituras continuará sendo drenado para cobrir os déficits previdenciários. E, sem saída, esses governos continuarão investindo cada vez menos em infraestrutura, um tipo de gasto de tende a ser mais cortado do que outros, obrigatórios.
— A única coisa que os entes têm na mão para fazer, que não seja o ataque direto em cima da dívida previdenciária, é ir diminuindo os investimentos — afirmou Velloso, completando que o baixo nível dos investimentos públicos é uma das causas do baixo crescimento econômico das últimas décadas. – É o único jeito de o PIB subir. Se não, vamos ficar condenados a ver o PIB subir a 1% ao ano para o resto da vida.
Goulart também defende uma reforma previdenciária mais profunda. O estudo aponta que, na maioria dos estados, já há mais aposentados e pensionistas que trabalhadores na ativa.
— Não é simples resolver. Mas o caminho passa, estruturalmente, por três variáveis. A primeira é a reforma tributária que já aconteceu, mas seus efeitos só serão sentidos lá na frente. A segunda é uma reforma previdenciária mais profunda, e a terceira é a reforma administrativa que traz racionalidade para o gasto com pessoal.
O presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, defende maior controle das contas públicas:
— É necessário reduzir gastos, ser duro com a gestão financeira. Só assim se consegue manter um estado saudável, com recursos para oferecer serviços dignos à população, como saúde e educação. Esse é o caminho, porque ninguém aguenta mais aumento de impostos para cobrir déficit de contas públicas: nem a população, nem as empresas — ele diz.
Em nota, a Secretaria de Estado de Fazenda do Rio disse que o déficit orçamentário se deve à dívida do estado com a União, atualmente em R$ 191 bilhões, e à queda na arrecadação devido ao limite do ICMS sobre os combustíveis.
O governo de Minas Gerais disse que apresentou superávit orçamentário entre 2021 e 2023, mas a previsão de déficit para este ano ocorre em função do crescimento vegetativo da folha e da perda de receita por conta das alterações do ICMS.
O governo do Ceará informou que, “dos R$ 4 bilhões previstos como déficit, R$ 2,9 bilhões se referem à previsão da receita de uma operação de crédito que, por questões operacionais, só foi lançada em março, e, por isso, não constou no balanço orçamentário”. Assim, no próximo balanço orçamentário entregue à STN, os dados estarão melhores. “O estado do Ceará já se encontra equilibrado”, diz uma nota da Secretaria estadual de Fazenda.
Já a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul disse que o desequilíbrio orçamentário é “decorrência das perdas de arrecadação registradas desde 2022". Procurada, a Secretaria de Fazenda do Paraná não fez comentários até o fechamento desta edição.
Fonte: O Globo