A catalepsia do Rio
Enviado Sexta, 15 de Março de 2024.Por Gabriel Guimarães
A grande questão é: não haverá estado a administrar em 2026 se a situação fiscal não for resolvida
A catalepsia projetiva é um fenômeno que ocorre durante o sono em que basicamente acontece o seguinte: enquanto dormimos, nossa consciência desperta, mas não conseguimos nos mexer. O indivíduo, mesmo estando consciente, não pode agir para mudar o cenário. A dura realidade é que o Estado do Rio de Janeiro vive há alguns anos uma catalepsia projetiva que não dá sinais de encerramento — muito pelo contrário.
Desde 2014, a situação fiscal e econômica do estado é extremamente delicada. Salários atrasados e servidores vivendo com ajuda de cestas básicas foram o pano de fundo para a assinatura do acordo de recuperação fiscal em 2017.
A partir de então, o acordo tem sido a muleta política perfeita para os desmandos administrativos no estado, e a situação econômica não dá sinais de mudança. Somente em 2022 e 2023, o governo informou que houve aumento de R$ 15 bilhões na dívida líquida. A dívida do estado com a União é de, aproximadamente, R$ 188 bilhões, segundo o governo.
Associado à catalepsia da insolvência fiscal, temos o prenúncio de uma disputa política avassaladora. As movimentações políticas em prol da sucessão de Cláudio Castro — por causa de uma possível candidatura ao Senado — põem em xeque o convívio harmonioso entre os Poderes. Nesse cenário, o vice-governador Thiago Pampolha, então do União Brasil, filiou-se ao MDB contra a vontade do chefe do Executivo estadual e foi demitido sumariamente da Secretaria de Meio Ambiente, que ocupava desde 2020.
A entrada de Pampolha no MDB — e sua saída do União Brasil — está vinculada à chegada de Rodrigo Bacellar, presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), a este partido. Bacellar passou a dar as cartas no União Brasil no estado, enquanto o vice-governador não tinha a mesma influência. Ambos almejam, por caminhos e alianças diferentes, concorrer à cadeira de Cláudio Castro em 2026.
O enfrentamento político é desejável e saudável nas democracias. A situação econômica e social do Rio de Janeiro, porém, não suportará um futuro governador (ainda que por pouco tempo) em franca disputa com um presidente da Alerj. Essa rota de colisão — que já vem sendo alimentada — faz com que o debate político fluminense seja em torno da sucessão do Executivo, e não da crise econômica e fiscal que assola o estado.
A grande questão é: não haverá estado a administrar em 2026 se a situação fiscal não for resolvida. Enquanto a classe política fluminense não compreender que a agenda fiscal deve ser a prioridade de todos, as disputas políticas prejudicarão as necessidades do funcionamento do Rio de Janeiro.
A angústia da apressada sucessão ou o caos fiscal são apenas retratos de uma disputa política por um espólio que de nada valerá. A vitória de Pirro — em que o vencedor, na prática, é um derrotado — caberá a um personagem que, assim como na catalepsia, pode até ter consciência do desastre fluminense, mas terá sua imobilidade como marca da doença que assola o estado.
- Gabriel Guimarães, cientista político formado pela FGV/CPDOC, é mestre e doutorando em ciência política no Iesp-Uerj
Fonte: O Globo - Opinião