Bastidores das disputas entre famílias Garotinho e Bacellar, que
Enviado Sexta, 12 de Janeiro de 2024.Com briga política, cidade ainda não tem orçamento neste ano, o que pode impedir pagamentos de servidores e fornecedores
O cabo de guerra entre as famílias Garotinho e Bacellar, que atualmente "trava" Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense, é antiga. As divergências remetem ao século passado, quando os patriarcas Anthony Garotinho e Marcos Bacellar disputavam localmente os votos dos campistas. Os dois se afastaram dos cargos, mas trocam xingamentos nas redes e transmitiram a política para os filhos. A briga pelo orçamento de R$ 3 bilhões do maior município do interior do Rio, com quase 500 mil habitantes, já tem cunho eleitoral visando as eleições de 2024.
O prefeito é Wladimir Barros Assed Matheus, filho do ex-governadores Antony Garotinho e Rosinha Matheus. O presidente da Câmara de Vereadores é Marcos da Silva Bacellar, irmão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) Rodrigo Bacellar e filho do ex-vereador Marcos Bacellar.
Wladimir foi eleito prefeito de Campos em 2020 e deve concorrer à reeleição. Ele teve o controle da Câmara nos primeiros anos de mandato. Em 2022, houve outra grande briga. Marquinho foi eleito presidente do legislativo, mas o pleito judicializado e anulado. Depois, o grupo ligado ao prefeito tentou cassar o mandato de colegas da oposição, aumentando a tensão entre os dois lados: “chegamos aos extremos”, admite Marquinho.
No fim daquele ano, o governador Cláudio Castro, aliado de Garotinho e Bacellar, interviu. Um acordo de paz foi costurado entre as duas famílias, com a promessa que Marquinho assumiria a presidência sob as bençãos do irmão. Ele foi eleito com 14 votos favoráveis e 10 abstenções.
A despeito da intervenção do governador, Anthony era contra o pacto contra o grupo rival e chegou a se distanciar do filho por causa do tratado. As rusgas com a outra família era tamanha que ele, Rosinha e Clarissa Garotinho se desfiliaram do União Brasil após o anúncio de que Rodrigo Bacellar seria o presidente da legenda no Rio.
A pacificação foi a regra durante o primeiro semestre do ano passado. E o motivo do rompimento foi outra lei orçamentária: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Com a maioria da Câmara, Marquinho teria combinado uma votação surpresa para “engessar” a prefeitura:
— Eles armaram uma votação de um dia para o outro. Impuseram uma derrota ao governo me dando 0% de remanejamento, quando o combinado era 20% — afirma Wladimir Garotinho.
Os grupos romperam e o presidente da Câmara perdeu apoio na Casa. Marquinho Bacellar acusa o prefeito de aliciar antigos aliados com cargos no município:
— No processo ele cooptou vereadores com o aumento de trabalhadores autônomos. Agora a maioria na Casa é do grupo Garotinho, com 16 vereadores contra 9 da oposição — explica o presidente.
O prefeito admite que trabalhou para aumentar sua base na Câmara, mas nega que tenha sido com o oferecimento de posições no município.
— Isso faz parte da política. Alguns vereadores solicitaram à prefeitura as melhorias nas suas bases eleitorais e fiz o compromisso de realizar — defende-se Wladimir.
Orçamento de R$ 3 bi
Até esta quinta-feira, 11 de janeiro, Campos ainda não tem uma Lei Orçamentária Anual (LOA), que precisa ser votada pelos vereadores. Sem ela, a prefeitura não consegue realizar pagamentos, apesar de ter dinheiro em caixa. Geralmente a LOA é a última matéria votada pelos legislativos, mas isso não ocorreu no município. Quem escolhe o que vai à votação do plenário é o presidente da Câmara, Marquinho Bacellar (Solidariedade).
A prefeitura estima que tenha R$ 220 milhões de pagamentos para serem realizados só em janeiro. Mas, a Câmara não deve votar a LOA antes de fevereiro, o que pode causar atraso no pagamento de servidores e compra de insumos. Ao GLOBO, Marquinho Bacellar negou que travar a votação da lei impeça que o município arque com seus compromissos. Ele defende que outra lei, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), votada em junho passado, permite que sejam usados 1/12 do orçamento (duodécimos) enquanto a LOA não é sancionada.
— Para toda cidade é importante ter uma Câmara independente. Nós defendemos que a LOA tenha reajuste para o servidor e bolsa universitária, por exemplo. Não podemos pautar uma lei que prevê R$ 700 para o saneamento básico. Na próxima semana teremos mais quatro Audiências Públicas para discutir a LOA e a última está marcada para fevereiro — diz o presidente da Câmara.
Wladimir Garotinho (PSD), prefeito de Campos, rebate Bacellar e critica o vereador dizendo ser responsabilidade dos parlamentares em emendar e modificar a LOA como acharem melhor. Nesta semana ele declarou Calamidade Financeira no município e aguarda uma decisão da Justiça sobre o tema: 16 vereadores aliados entraram com um pedido de liminar para o judiciário obrigar a Câmara pautar a lei ou permitir pagamentos sem a LOA sancionada.
— Eles estão se recusando a colocar em votação e fazer o debate. A tentativa ali é política para inviabilizar o governo. No entendimento do corpo jurídico da prefeitura, não é caso de usar os duodécimos porque eles só poderiam ser utilizados no intervalo entre aprovação e sanção da lei. Mas nem votada ainda foi. Estamos num limbo jurídico: como eu não posso realizar novo empenho, nem fazer nova compra, vão faltar gases medicinais porque o contrato está vigente somente até 16 de janeiro, por exemplo — diz Wladimir Garotinho.
Fonte: Jornal O Globo