Gasto com pessoal sobe e já encosta no limite legal em oito Estados

Enviado Segunda, 23 de Outubro de 2023.

Das 27 unidades da Federação, 19 tiveram aumento da despesa com servidores em 12 meses no quadrimestre encerrado em agosto

A despesa de pessoal nos Estados continuou a avançar como proporção das receitas no segundo quadrimestre. Nos 12 meses até agosto deste ano, oito Estados ficaram com o gasto de pessoal do Poder Executivo acima do limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Foram os Estados do Amapá, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Acre, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Roraima. Os quatro últimos também ficaram acima do limite máximo da LRF ao fim do segundo quadrimestre. Em igual período do ano passado, foram três Estados acima do prudencial, com apenas um deles estourando o teto.

A LRF estabelece para os Estados teto de 49% para comprometimento da receita corrente líquida como gasto para pagamento de pessoal - salários de servidores e seus encargos, incluídos os pagamentos a inativos - e encargos. O limite prudencial é de 46,55% e mostra que o gasto atingiu 95% do teto.

O quadro geral dos Estados revela piora também em relação aos dados do fim do primeiro quadrimestre. Nos 12 meses até abril deste ano, seis haviam ultrapassado o nível prudencial e três deles, furado o teto. Embora muitos Estados estejam longe dos limites da LRF, houve avanço generalizado das despesas de pessoal.

Dentre os 26 Estados mais o Distrito Federal, em 19 esse gasto aumentou de abril a agosto como proporção da receita e considerando um período acumulado de 12 meses. Em 15 deles o aumento nesse período foi superior ao equivalente a um ponto percentual da respectiva receita corrente líquida. Os gastos com pessoal são a principal despesa corrente dos Estados.

Os dados mostram descompasso entre o ritmo de crescimento das receitas e da despesa de pessoal. Nos 12 meses até agosto, a Receita Corrente Líquida (RCL) do agregado dos Estados caiu 0,8% em relação a igual período de 2022, enquanto a despesa com pessoal avançou 6,1%, sempre em termos reais.

 “Chama a atenção que os aumentos de despesa de pessoal não estão concentrados em alguns Estados ou regiões, mas aconteceram de forma generalizada”, diz Gabriel Leal de Barros, economista e sócio da Ryo Asset. Os dados mostram que dentre os 27 entes, em 25 a despesa de pessoal cresceu enquanto a receita caiu ou também cresceu, mas a uma taxa menor que a do gasto.

Os dados foram retirados pelo Valor dos relatórios de gestão fiscal entregues pelos Estados à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Para comparação em termos reais, os valores de 2022 foram atualizados pelo IPCA.

Leal de Barros lembra que a receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal tributo recolhido pelos Estados, foi afetada por medidas impostas pelo governo federal em 2022 e que resultaram em redução de alíquotas do imposto em setores importantes como combustíveis, energia elétrica e telecomunicações.

Para ao menos recompor parte dessa receita, explica, alguns Estados aumentaram a alíquota padrão de ICMS, mas isso surtiu efeito apenas desde abril deste ano, em razão do prazo de três meses para a elevação entrar em vigor. Ou seja, diz, o impacto foi apenas parcial no período observado.

Já as despesas de pessoal, avalia Leal de Barros, refletem em boa parte reajustes salariais concedidos em 2022, ano de eleições. “Os dados mostram robustez do crescimento de gastos em praticamente todos os Estados. Como é um gasto obrigatório e de natureza permanente, isso pode antecipar piora fiscal à frente”, diz. “Ao fim do primeiro quadrimestre, os dados já acenderam uma luz amarela e agora isso se intensifica.”

Os reajustes salariais em 2022 foram antecedidos por período em que as despesas com folha dos Estados ficaram limitadas, em razão das restrições da Lei Complementar 173/2020. Essa lei limitou contratações e aumento de gastos com pessoal como contrapartida aos repasses extraordinários da União aos governos subnacionais para o enfrentamento da pandemia de covid-19.

No Espírito Santo a despesa de pessoal fechou o segundo quadrimestre em 40,12% da receita corrente líquida, num nível considerado “tranquilo”, avalia o secretário de Fazenda do Estado, Benicio Costa. O indicador, lembra ele, deve melhorar ainda mais quando entrarem os recursos da antecipação da compensação de perdas de receita em razão do corte de ICMS no ano passado. Essa antecipação da União a Estados e municípios totaliza R$ 10 bilhões, segundo cálculos do governo federal.

Os recursos devem elevar a receita corrente líquida dos Estados e ajudar a melhorar o indicador, afirma. Segundo Costa, o Espírito Santo deve receber cerca de R$ 400 milhões. Os dados dos relatórios fiscais do Estado mostram que a despesa com pessoal do Poder Executivo do governo capixaba aumentou 1,1% em termos reais nos 12 meses até agosto contra igual período de 2022.

A receita corrente líquida caiu 6,5%. O desempenho, diz Costa, foi afetado pela perda de arrecadação em razão da redução do ICMS nos segmentos de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações e também pela queda nos recebimentos de royalties e participações especiais de petróleo, que tiveram base alta em 2022.

Renata Santos, secretária de Fazenda de Alagoas, diz que o Estado receberá cerca de R$ 75 milhões do repasse adicional que a União deve fazer do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Ela explica que o Estado não receberá a compensação de ICMS, porque o governo alagoano foi um dos que obtiveram liminar para compensar o impacto da redução de alíquotas no pagamento da dívida com a União.

O Estado, diz Santos, aplica medidas para controlar gastos e até agora mantém as contas sob controle. A despesa de pessoal em Alagoas fechou em 41,62% da RCL ao fim de agosto. Nos Estados que receberem a compensação de ICMS, avalia, certamente o recurso irá favorecer as contas e em alguns entes poderá até mesmo ajudar a fechar 2023 com pagamento a servidores em dia. Alguns Estados, diz, já têm negociado alargamento de prazo para pagamento a fornecedores.

“Os recursos da compensação de ICMS vão ajudar, mas será uma receita extraordinária”, diz Leal de Barros. “Isso minimiza o problema no curto prazo, mas não resolve a questão estrutural de alguns Estados, na qual a despesa de pessoal cresce em ritmo mais alto que o da arrecadação.”

A expectativa de desaceleração da economia no cenário base torna o quadro mais preocupante, diz Barros. O economista projeta crescimento de PIB de 2,5% em 2023, mas com toda atividade concentrada no primeiro semestre. Para o terceiro trimestre, diz, a estimativa é de queda de 0,3% em relação aos três meses anteriores. “Mesmo com efeito do aumento da alíquota modal mais cheio nos próximos períodos, não dá para ser muito otimista na linha da receita em razão da desaceleração da economia, seja quando falamos de Estados ou da União. O ajuste precisa ser feito do lado dos gastos”, diz.

Nessa linha, a agenda necessária alcança medidas como reforma administrativa, revisão de subsídios e avaliação de políticas públicas, diz. Para Leal de Barros, no âmbito da reforma administrativa há possibilidades para várias “versões”. “Essa medida pode ser mais ou menos ambiciosa. Pode ser um mudança profunda na estrutura de cargos e salários ou algo infraconstitucional, sem alcançar tanto os servidores atuais, colocando mudanças de forma gradativa, mas que podem trazer economia fiscal relevante”, defende.

Ele lembra que São Paulo enviou na última semana projeto nessa linha, com proposta de mudanças para cargos comissionados. Minirreformas administrativas, diz, podem ajudar a conter os gastos antes que eles estourem.

Na passagem do primeiro para o segundo quadrimestre deste ano houve mudança entre os Estados que romperam o limite máximo de 49% da despesa de pessoal com o Poder Executivo em relação à LRF. Dos três que haviam estourado o teto nos 12 meses até abril - Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Rio de Janeiro -, dois ainda continuaram acima do limite na fotografia ao fim de agosto. Rio de Janeiro, que fechou o primeiro quadrimestre com 49,47% da receita corrente líquida, reduziu o indicador para 48,62% nos 12 meses até agosto. O Estado ficou, portanto, 0,38 ponto percentual abaixo do teto embora bem acima dos 42,94% observados ao fim do segundo quadrimestre de 2022.

Fonte: Jornal Valor Econômico