Pedro Diniz: Os ditos e o inaudito
Enviado Quinta, 20 de Julho de 2023.Um dos principais pontos em discussão na reforma sobre a tributação do consumo é o futuro do federalismo no Brasil. As diversas vozes estão divididas, tendo por foco a criação de um Conselho Federativo, defendido por uns e criticado por outros.
Mas esse é tema acessório, pois o órgão se destina a tratar de temas relacionados com a mera competência administrativa regulamentar do Imposto de Bens e Serviços.
Lembremos que, com o ICMS, os estados e o DF já atuam em instituições colegiadas como o Confaz e o Comsefaz, este último com maior destaque nos últimos anos para fugir da influência do Ministério da Fazenda. O desafio extra reside na forma pela qual os municípios serão incorporados. Em resumo, o tema Conselho é secundário, pois se trata apenas, na essência, de regrar a gestão e a repartição do IBS entre os entes subnacionais.
O ponto focal do federalismo recai sobre a descentralização político-jurídica, ou seja, a relação de autonomia ou de dependência entre o poder central e os poderes subnacionais. É aqui que sempre residiu a questão federativa ao longo da evolução do sistema tributário brasileiro: a sístole/diástole que ora reteve recursos na união, ora junto aos estados e municípios.
Para qual lado derivará o novo modelo? Concentrador, como em 1937, 1967 e no pós-1988, ou desconcentrador, como em 1934, 1945 e em 1988? As respostas para essa pergunta não podem ficar sem enfrentamento dentro do texto constitucional emendado, pois somente elas podem assegurar, na origem, a sustentabilidade e o equilíbrio do novo modelo.
Ainda que não explicitamente inscritas, algumas regras devem estar já previstas, tais como a participação percentual das receitas dos novos impostos, a competência residual tributária, a distribuição final das transferências compulsórias, além das disposições para evitar litígios decorrentes da nova legislação, sob o risco de reproduzir o enorme contencioso fiscal gerado pelo modelo atual.
Como exemplo de pontos mal delineados na proposta apresento dois que podem gerar graves problemas. O primeiro é a omissão a respeito da forma de sujeição passiva, o que pode limitar a imposição sobre os conglomerados de informações e serviços digitais, pois suas receitas, assim como as da mídia tradicional, são provenientes de publicidade e venda de dados, e não de contrapartidas financeiras. A limitação de compensação para bens e mercadorias desvinculados das atividades finais das empresas também ganhou redação menos precisa da que consta na Lei Kandir. Essas e outras lacunas podem trazer perdas de receita, influindo negativamente na fixação do percentual das alíquotas do IBS e também da CBS.
No limiar de entrada no segundo quartel do século XXI, a sociedade brasileira precisa de algo inaudito, que abra caminho para um sistema virtuoso e duradouro, estabelecendo claramente o quadro final da tributação do consumo, após o período de transição. Somente assim a reforma trará as almejadas mudanças para governantes, classes empresariais e população em geral.
Pedro Diniz: Auditor Fiscal no RJ e professor
Fonte: Jornal do Brasil - Artigo