O que é guerra fiscal? A reforma tributária vai acabar com ela?

Enviado Quinta, 20 de Abril de 2023.

De acordo com especialistas, tanto a PEC 45/2019 quanto a PEC 110/2019 preveem uma inversão na lógica de cobrança do ICMS que tem o potencial de acabar com a histórica briga entre Estados produtores e consumidores de mercadorias

As propostas de reforma tributária que estão na mesa devem acabar com a guerra fiscal do ICMS, um conflito federativo de décadas em que Estados concedem descontos do imposto para atrair investimentos para seus territórios.

Especialistas consultados pelo Valor apontam que tanto a PEC 45/2019 quanto a PEC 110/2019 preveem uma inversão na lógica de cobrança do ICMS que tem o potencial de acabar com a histórica briga entre Estados produtores e consumidores de mercadorias.

Pelos projetos, tributos que recaem atualmente sobre o consumo serão unificados. São eles: IPI, PIS, Cofins, exigidos pela União; o ICMS, de competência dos Estados e o ISS, recolhido pelos municípios.

O que é guerra fiscal?

Pelo sistema atual, o ICMS é cobrado pelos Estados onde a mercadoria é produzida. Trata-se da chamada tributação na origem.

Foi uma decisão tomada ainda em meados da década de 1960, quando foi criado o então ICM, que substituiu o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC).

Essa opção deus aos governos dos Estados uma carta na manga. Usar o ICMS como meio de atrair investimentos – com alocação de empresas, geração de renda e emprego – para seus territórios. Isso foi feito durante cinco décadas, por meio de concessão de incentivos e benefícios fiscais de diversas ordens.

“Pode ser por meio de redução de alíquota [do imposto], redução de alíquota e crédito presumido ou redução na base de cálculo. Ou podem combinar várias medidas”, explica o advogado Daniel Szelbracikowski, coautor do livro “ICMS e Guerra Fiscal: da LC 24/1975 à LC 160/2017”. “Com esses incentivos, há lugares em que, na prática, o empreendimento vai ficar 5, 10, 15 anos sem pagar o imposto”, acrescenta.

De acordo com especialistas, a guerra fiscal do ICMS decorre do modelo hoje existente na cobrança do ICMS – na origem.

O advogado e professor Eurico de Santi traça um diagnóstico negativo: “O ICMS apodreceu. O que acabou com a federação foi o ICMS. Foi a circulação de mercadorias entre Estados com 27 legislações diferentes”, diz. “Os Estados estão descobertos em função da guerra fiscal e do enorme contencioso gerado”, acrescenta Santi, que é diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), think tank que elaborou o texto original da PEC 45.

A reforma tributária vai acabar com a guerra fiscal?

Os projetos de reforma tributária resolvem o problema, segundo especialistas. Deslocam a cobrança do imposto unificado para o destino do produto, ou seja, para o Estado onde o consumidor está. Isso, na prática, acaba com a lógica de atrair investimento por meio de concessão de incentivos tributários.

“Se não tem imposto na origem, não vale a pena para o Estado abrir mão do seu próprio recurso, sob pena de ter um desequilíbrio fiscal. A cobrança no destino acaba totalmente com a guerra fiscal”, afirma André Horta, diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz) e ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Norte.

Segundo Horta, a lógica da cobrança no destino é que o imposto pago pelo consumidor seja revertido para sua própria comunidade.

Em entrevista recente ao Valor, o secretário especial de Reforma Tributária, Bernard Appy, afirmou que o conceito de “destino” deverá ser definido em lei complementar a ser analisada depois da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC).

Benefícios fiscais

Os projetos de reforma tributária também vedam, com maior ou menor alcance, a concessão de benefícios fiscais.

Horta lembra que, mesmo sem a aprovação de uma reforma tributária, os incentivos fiscais para atração de investimentos para os Estados estão com os dias contados.

Depois de editada a Lei Complementar nº 160, de 2017, houve previsão no Convênio nº 68/2022, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), para que os incentivos tenham validade e possam ser usufruídos até dezembro de 2032.

O diretor do Comsefaz aponta que pode haver um movimento para prorrogação do prazo caso a reforma tributária não saia e na hipótese em que os Estados “não tenham algo novo” para extinguir essa política fiscal.

Fonte: Valor Econômico