Salário de deputado estadual sobe e aperta caixa dos Estados

Enviado Segunda, 30 de Janeiro de 2023.

O aumento para os deputados federais, aprovado pelo Congresso Nacional no fim de 2022, gerou efeito cascata nas Assembleias Legislativas. Em 22 Estados e no Distrito Federal, deputados estaduais vão começar os mandatos com salários maiores. Nos próximos três anos haverá aumento de R$ 100 milhões na despesa anual com o salário dos parlamentares desses 22 Estados e DF. A folha de pagamento somada, que foi de R$ 265 milhões em 2022, sobe para R$ 309 milhões este ano, R$ 347 milhões em 2024 e R$ 365 milhões no ano seguinte. O total entre 2023 e 2025 soma pouco mais de R$ 1 bilhão. Os dados são de um levantamento da consultoria Radar Governamental a pedido do Valor.

Em 14 Estados, também foram aprovados aumentos para os governadores. Os salários variam de R$ 10,5 mil a R$ 35,4 mil por mês.

Os aumentos da classe política vão ter impacto nos orçamentos estaduais até 2026 e ocorrem em momento em que os Estados buscam reverter a queda de arrecadação com as alíquotas menores do ICMS para combustíveis e energia elétrica e comunicações (ver Governadores sobem teto do ICMS para reaver perdas).

De acordo com o advogado Jonas Del Nobile, sócio da Radar Governamental, a alta dos vencimentos em nível federal abriu caminho para a discussão em quase todas as casas legislativas do país. “Os deputados que não aprovaram foram, em grande maioria, por perda do timing, porque faltou tempo hábil para discutir a matéria”, diz Del Nobile.

Em dezembro de 2022, o Congresso Nacional aprovou reajuste de 37,32% para presidente da República, vice-presidente, ministros, senadores e deputados federais. O aumento será concedido em parcelas. Para 2023, houve reajuste de 16,37% em 1º de janeiro e previsão de um novo, de 6%, em 1º de abril. Em 2024 e 2025, as taxas ficam em torno de 5%.

Com a mudança em âmbito federal, os cálculos foram rapidamente replicados nos Estados sob argumento de reposição de perdas inflacionárias. Os deputados estaduais podem receber até 75% do que ganha um deputado federal. De acordo com a Radar Governamental, os salários dos deputados estaduais passaram do máximo de R$ 25,3 mil em dezembro de 2022 para R$ 29,4 mil em janeiro de 2023, aumento de 16%.

Segundo a consultoria, a maioria dos Estados aplicou escalonamento semelhante ao do governo federal. Em São Paulo, por exemplo, o salário dos deputados vai passar de R$ 29,4 mil para R$ 31,2 mil ainda em 2023, com um reajuste programado para abril. Em 2024, o vencimento salta para R$ 33 mil, aumento de 5,6%, chegando a R$ 34,7 mil em 2025, mais 5,3% sobre o ano anterior. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo disse que o reajuste aprovado está contemplado no “Orçamento Anual do Legislativo”. Afirmou ainda que os “subsídios” dos parlamentares estavam congelados desde 2016, sendo um dos menores do Brasil, e que só agora se iguala ao restante do país.

Também em nota, o governo de São Paulo disse que trabalha para valorizar os servidores públicos, que têm remuneração disciplinada por legislações próprias, sendo o salário do governador do Estado um limitador para os vencimentos recebidos individualmente. “O aumento do teto salarial não causará prejuízos à Lei de responsabilidade fiscal. A atual gestão atua com a perspectiva de um significativo ganho de eficiência da administração pública que, entre outras medidas, permitirá uma sensível redução dos gastos do Estado.

O teto do funcionalismo público é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para Gil Castello Branco, presidente da organização não-governamental Contas Abertas, a fila de reajustes foi “puxada” pelo STF, que já havia aprovado, em agosto, proposta de reajuste salarial de 18% para os servidores do Poder Judiciário da União. “Foi um balizador para aumentos que ocorreram posteriormente”, diz ele.

Especialista em contas públicas, o economista Murilo Viana diz que outros fatores podem ter contribuído para um cenário favorável aos reajustes. Ele cita o “boom” na arrecadação dos Estados com o aumento do preço de commodities, principalmente o petróleo, e a inflação. “Houve uma pressão muito forte para que esse aumento de arrecadação se transformasse em aumento de remuneração”, observa.

O economista lembra que qualquer medida de revisão ficou impedida na pandemia, pois os aumentos estavam proibidos até dezembro de 2021 pela Lei Complementar 173, promulgada em 2020 em função da emergência sanitária.

“O ponto chave é a reversão dessa perspectiva [de alta da arrecadação] por causa do ICMS. Os Estados estão judicializando no Supremo Tribunal Federal, mas virou um buraco fiscal”, alerta Viana. Ele também diz que a inflação, inicialmente positiva por “inchar” a arrecadação, pode se tornar um problema porque também serve de parâmetro para reajustes contratuais dos governos, revistos de 12 em 12 meses.

Del Nobile avalia que o número de governadores que aprovou o próprio aumento só não foi maior para evitar um desgaste político no início do mandato. “Na medida em que são os próprios governadores que apresentam os projetos nas assembleias, eles acabam buscando se afastar de matérias que podem ter repercussão negativa nesse primeiro momento”, diz ele.

O economista Murilo Viana faz leitura no mesmo sentido e ressalta que as medidas do Executivo têm mais visibilidade e, por isso, os governadores são mais pressionados a conter despesas.

Ele destaca ainda que o teto de várias categorias do Executivo é reajustado de acordo com o salário dos governadores, o que pode amplificar o efeito de um aumento: “As consequências fiscais para o aumento do chefe do poder Executivo são mais significativas que no Legislativo porque o transbordamento é mais perceptível.”

Para Castello Branco, os recursos poderiam ser mais bem utilizados para outras finalidades. Ele rebate o argumento de que os reajustes não constituem aumento salarial na medida em que teriam objetivo de apenas repor a inflação. “[Os aumentos] são socialmente injustos. Seriam justos se atingissem todas as categorias de trabalhadores”, defende o economista.

Economista e professora de política econômica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni critica a aprovação das medidas no fim de dezembro, no “apagar das luzes” de vários governos. Para ela, a classe política precisa reavaliar a relação de confiança e de representatividade com a população. “Você tem um escândalo nacional que é a [falta] de correção do salário mínimo. A classe política precisa seriamente entender que tem coisas que mesmo sendo legais, há momentos certos para se fazer”, afirma.

Fonte: Valor Econômico