Os preços dos derivados em 2022 e os novos desafios
Enviado Quinta, 12 de Janeiro de 2023.A alta volatilidade dos preços do petróleo e derivados no mercado mundial, devido principalmente à guerra da Ucrânia, foi uma grande marca do ano de 2022. Em consequência da política de preços de paridade de importação (PPI) adotada pela direção da Petrobras, este movimento teve impactos significativos no Brasil, refletindo negativamente sobre a inflação e a renda da população. Com o aumento dos preços nas refinarias, a estrutura tributária reforçou a pressão altista e, mesmo não tendo sido a questão determinante dos aumentos, foi o elemento eleito pelo governo federal para focar sua atuação na tentativa de resolução do problema.
O PPI considera como parâmetro dos preços nas refinarias os preços internacionais dos produtos acrescidos dos custos de importação. Desta forma, ao longo de quase todo o ano, os preços internos refletiram o contexto internacional. No primeiro semestre houve uma pressão altista no mercado externo. Assim, entre dezembro de 2021 e junho de 2022, o preço médio do litro do diesel nas refinarias de Petrobras aumentou 68%, enquanto o da gasolina cresceu 31%. No mesmo período, o preço médio praticado pela refinaria da Bahia, sob controle privado há um ano, cresceu em 78% para o diesel e 48% para a gasolina.
Este movimento pressionou ainda mais os preços nos postos. No mesmo período, o preço do litro do diesel subiu 35%, chegando a R$ 7,32, enquanto o da gasolina cresceu 9%, atingindo R$ 7,25. O segundo semestre foi marcado por uma maior volatilidade de preços no mercado externo e pela implementação, por parte do governo federal, de medidas objetivando atenuar a pressão nos preços internos.
Mantendo-se coerente com o discurso adotado em 2021, o governo Bolsonaro continuou insistindo na busca por soluções focadas na tributação. Em 2022, a novidade, diante da proximidade do pleito eleitoral, foi a tentativa de pressionar a Petrobras para represamento dos preços em contextos de alta. Essa nova “frente de batalha” ficou evidenciada pela troca de três presidentes da companhia.
Entre as medidas implementadas, houve o congelamento do preço de referência (PMPF) do ICMS até junho, quando passou a ser a média móvel dos últimos cinco anos - antes calculado pela média dos preços praticados de 15 em 15 dias. Além disso, os combustíveis foram incluídos na legislação como itens essenciais, o que impede a aplicação de alíquotas de ICMS acima de 18%. Em relação aos tributos federais, houve anulação das alíquotas do PIS/Cofins a partir de março para diesel e de julho para a gasolina.
Tais ações foram efetivas na redução dos preços da gasolina na bomba, pois sobre este produto eram aplicadas alíquotas de ICMS mais altas, em média de 28%. De junho a dezembro [1], o preço da gasolina nos postos caiu 32% e o do diesel 11%. No acumulado de 12 meses, houve queda de 26% no caso da gasolina e aumento de 20% no diesel.
Mas não foram só as medidas tributárias que contribuíram para menores preços no segundo semestre. No início do período houve um movimento de redução dos preços no mercado internacional, que foi acompanhado pelos preços internos. Porém, no começo de outubro, os preços externos voltaram a aumentar e, contraditoriamente, não foram seguidos pela direção da Petrobras.
Apesar de a gestão reafirmar a manutenção do PPI, a companhia segurou o repasse dos aumentos no mercado internacional entre o início de outubro e meados de novembro, em função do contexto das eleições e do rebatimento da alta de preços na popularidade do presidente, que tentava sua reeleição. A partir daí, os preços externos voltaram a se reduzir, viabilizando não só a manutenção dos preços internos, como novas reduções no final do ano.
Embora efetivas na redução dos preços da gasolina - o impacto no diesel foi irrelevante, tendo em vista que sua alíquota de ICMS já era menor que o teto estabelecido -, as medidas implementadas denotam um conjunto de problemas: 1- não se propôs um debate sobre o PPI, razão principal da pressão nos preços; 2- parte delas é transitória - a anulação das alíquotas de PIS/Cofins e a alteração do novo método de cálculo do PMPF terminam em 2022; e, 3- fora do bojo de uma reforma tributária, políticas afobadas como a alteração no ICMS têm impactos significativos nas contas públicas dos entes subnacionais. Os Estados já começam a calcular os prejuízos acumulados no ano.
Diante do cenário atual, o novo governo assumirá com grandes desafios em relação aos preços dos combustíveis. Como dito, as ações propostas pelo governo Bolsonaro focaram na tributação, sem preocupação na organização de soluções estruturais para o setor, em diálogo com os agentes de toda a cadeia. Posteriormente, houve um descolamento dos preços em relação ao mercado internacional sem que houvesse uma mudança declarada no PPI. Os problemas postos ao longo do ano sem respostas bem estruturadas devem voltar à pauta e muitas questões serão pontos de tensão para a nova gestão.
De saída, será necessário decidir sobre a manutenção da isenção do PIS/Cofins. Decisão difícil entre renunciar a uma importante receita ou gerar um impacto negativo imediato com aumento dos preços no início do mandato. Além disso, há um debate ainda em aberto sobre as mudanças no ICMS, com a novidade da decisão no STF de retirada da gasolina dos itens essenciais, que poderá gerar ampliação de alíquota. Neste contexto, o impacto destas mudanças deve atingir o mercado do etanol, com necessidade de avaliação conjunta. Por último, deverá ocorrer um debate sobre a manutenção da metodologia do PPI como funciona hoje, envolvendo inclusive a revisão do processo de privatização do refino.
Com todos os problemas internos a serem equacionados, o desafio ainda se aprofunda em função do contexto internacional que parece apontar para um ano de manutenção de alta volatilidade dos preços do petróleo, em patamares ainda bastante elevados.
[1 ] Dados de dezembro de 2022 referentes aos dias 1 a 24.
Por Carla Ferreira é mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Fonte: Valor Econômico - Opinião