STF garante créditos de ICMS sobre repasses a fundo do Rio
Enviado Terça, 09 de Setembro de 2025.Contrapartida é exigida para uso de benefícios fiscais
o aproveitamento de créditos de ICMS sobre os valores repassados ao Fundo Orçamentário Temporário (FOT), do Rio de Janeiro, contrapartida para empresas usarem incentivos fiscais. Alguns ministros já haviam dado decisões monocráticas para assegurar a não cumulatividade, mas, agora, o entendimento é da maioria da Corte. A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) vai recorrer da decisão.
O acórdão é um alívio para os contribuintes, sobretudo quando o governo fluminense tenta aumentar a alíquota de repasse de 10% para 30% - na prática, reduz benefícios fiscais. A medida consta no Projeto de Lei nº 6034/2025, enviado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) pelo governo.
O texto foi criticado por advogados e pela Federação de Indústrias do Estado do Rio (Firjan), que chamou o projeto de “tarifaço fluminense”. Se aprovado, os 30% já começam a valer em 2026. As alíquotas aumentam progressivamente até 2032, quando o tributo é extinto pela reforma tributária do consumo, chegando a 90%.
O FOT foi estabelecido em 2019 para substituir o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF), criado pela Lei nº 7.428/2016. Ambos tinham a mesma natureza jurídica e finalidade: proteger e equilibrar, de forma temporária, as finanças do Estado, enquanto ele estiver em Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
As normas que criaram os fundos foram validadas pelo Supremo em 2023 (ADI 5635). No julgamento, os ministros também disseram que se aplicam as mesmas regras do ICMS - isto é, a não cumulatividade, viabilizando o crédito -, prática que não é adotada pelo governo do Rio de Janeiro, dizem tributaristas.
Por isso, a solução tem sido entrar com novas ações judiciais para validar o entendimento anterior do STF, o que acabou gerando novo contencioso sobre o tema. “Você passa dez anos discutindo uma tese, vem o Supremo e decide, mas nem sempre essa decisão é eficaz o suficiente e acaba criando outro contencioso para discutir concretamente a situação”, afirma Sandro Reis, sócio do Bichara Advogados.
A nova decisão da Corte, em embargos de divergência, veio em um momento importante para as empresas, que rechaçam o projeto de lei enviado pelo governo. Os ministros reafirmaram, por 8 a 3, que é preciso respeitar a não cumulatividade dos valores repassados ao FOT. Prevaleceu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes e ficou vencida a relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia (ARE 1521931).
A relatora rejeitou os embargos porque, na visão dela, inexistia divergência entre a 1ª e 2ª Turmas e a decisão anterior estava em consonância com a jurisprudência do STF. Moraes, porém, divergiu, e foi seguido pelos outros integrantes do plenário. Ele lembrou algumas decisões monocráticas que foram proferidas sobre o assunto.
Na visão do ministro, é preciso aplicar o posicionamento dado na ADI 5635 na ação julgada, proposta pela Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico. “A questão relacionada ao princípio da não cumulatividade do ICMS não pressupõe o exame de matéria fática, tampouco de legislação infraconstitucional, devendo ser garantida a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito instituído sem prejuízo da vedação ao aproveitamento indevido dos créditos”, diz em seu voto.
Segundo o tributarista Maurício Faro, sócio do BMA Advogados e que atua no caso, a falta de regulamentação por parte do governo do Rio de Janeiro - que foi determinada pela Corte na ADI - prejudica as empresas. “Como o Estado não regulamentou, vários contribuintes não estão conseguindo esse reconhecimento nem no Tribunal de Justiça nem no Supremo, como entendeu a ministra Cármen Lúcia inicialmente”, afirma Faro, lembrando que a relatora havia até aplicado multa contra a associação.
O acórdão, acrescenta, traz certo conforto nesse momento de indefinição. “Se vier o PL, pelo menos, a gente tem uma decisão que reconhece o crédito, algo que não é tratado no projeto” diz Faro, que também é presidente da Comissão de Direito Tributária da OAB-RJ. A entidade publicou uma nota contra a proposta.
Para o tributarista Sandro Reis, sócio do Bichara Advogados, a falta de normativa sobre o tema é intencional. “O Estado, por uma inércia proposital, tem um comportamento como se não houvesse essa sinalização do Supremo sobre a obediência da não cumulatividade. Nada fez para dar clareza”, afirma. “Ele praticamente obrigou todos os contribuintes que discutem o tema a fazer depósitos judiciais dos valores.”
Reis diz que seria preciso esclarecer como seria aplicada a não cumulatividade - se o pagamento do FOT poderia ser feito, por exemplo, com créditos de ICMS. “Isso gera para o contribuinte um problema muito grave de insegurança jurídica porque independentemente do que o Supremo diz, o contribuinte está submetido às regras que o Estado determina para ele e o Estado do Rio de Janeiro continua convenientemente silente", diz.
A indefinição se agrava com a propositura do PL, que não foi discutido com contribuintes antes de ser levado à Alerj, acrescenta. Na proposta, é possível ser aplicada uma carga tributária menor, de 18,18%, para empresas que comprovem que determinado incentivo foi dado por prazo certo e sob caráter oneroso. “A Secretaria da Fazenda pode criar exigências adicionais que não estão no projeto de lei”, alerta Reis.
De acordo com os especialistas, já houve e ainda há a cobrança do FOT em outros Estados, como em Brasília, Pernambuco e no Espírito Santo. Mas o embate tem sido maior no Rio de Janeiro, onde as decisões do tribunal estadual têm sido desfavoráveis e não permitido a tomada de crédito.
Ricardo Cosentino, sócio do Mattos Filho, destaca que o uso de saldo credor de ICMS para pagar o FOT é de interesse dos contribuintes, especialmente os que exploram o petróleo na região. “São empresas que têm o benefício fiscal Repetro e como são exportadoras terminam acumulando crédito de ICMS”, afirma.
Na visão dele, o problema é mais delicado para esse setor do que para indústria, que pôde escolher onde se instalar baseado no incentivo. “Mas o Repetro está ligado à natureza do próprio Estado, de exploração de petróleo. Ela não tem como escolher, recebe o benefício, se instala e tem que explorar”, diz. “E, de repente, há a surpresa que pode haver a redução do benefício, que vai se extinguindo ao longo dos anos. Isso é muito desafiador e deixa dúvidas se vale a pena investir no Estado”, completa.
Ele critica a postura do governo. “O Estado tem uma percepção de que ele vai conseguir receita a partir da redução de benefícios fiscais, quando, na verdade, deveria dar segurança para atrair investimento”, diz. “Se a regra do jogo muda no meio do caminho por uma dificuldade de caixa, causa instabilidade e o Estado perde credibilidade no mercado porque não honra aquilo que foi assinado em contrato.”
Em nota, a Secretaria da Fazenda do Rio de Janeiro afirma que não haverá regulamentação, pois “o cálculo do valor que a empresa que recebe benefício fiscal tem que pagar para o FOT já considera os créditos aos quais ela tem direito no período”.
Sobre o aumento do repasse, o órgão diz que “visa reduzir os benefícios fiscais de maneira ampla e buscando um tratamento igualitário entre os contribuintes para compensar parte dessas perdas e promover o equilíbrio fiscal”, por conta da reforma.
Fonte: Valor Econômico