Autonomia do BC e Pix: por que o Brasil precisa da PEC 65 com urgência
Enviado Quarta, 06 de Agosto de 2025.Congresso tem oportunidade histórica de consolidar uma instituição de Estado preparada para os desafios de nosso tempo
Não é exagero afirmar que o Pix transformou o Brasil. Criado e operado pelo Banco Central desde 2020, o sistema incluiu mais de 71,5 milhões de brasileiros, tornando-se a maior política pública de inclusão financeira da nossa história. O acesso a meios de pagamentos eletrônicos foi democratizado, promovendo uma revolução silenciosa na vida de milhões de pessoas e de micro e pequenos negócios país a fora.
O Pix também aumentou a eficiência nos pagamentos e ampliou a concorrência no setor financeiro, com a redução das assimetrias na oferta do serviço. O impacto positivo é tão expressivo que o modelo virou referência internacional — e, paradoxalmente, alvo de pressões externas.
Agora a ferramenta entrou na mira do governo dos EUA. A razão? Sua eficiência. O Pix é visto como uma ameaça direta à hegemonia das big techs no mercado de pagamentos digitais. Apple, Google, Meta e outras gigantes perderam espaço com a adoção do modelo brasileiro, que oferece velocidade, segurança e custo zero à população.
Seu potencial para impulsionar um modelo de pagamentos transfronteiriço com menos intermediários e sem a necessidade de conversão baseada no dólar também pode ser o motivo do incômodo. Não surpreende, portanto, que interesses estrangeiros tenham passado a monitorar e criticar sua estrutura. E aqui surge a pergunta inevitável: quem protege o Pix?
A resposta é uma só: o Banco Central. Foi essa instituição que criou, mantém, promove a evolução tecnológica para que o Pix esteja sempre atualizado e que tem a missão legal de protegê-lo. E para que essa missão possa ser cumprida adequadamente é necessário aprovar, com urgência, a PEC 65/2023 — proposta de emenda à Constituição que consolida a autonomia orçamentária, administrativa e financeira da autoridade monetária
Sem essa garantia institucional, o risco de descontinuidade do sistema como bem público aumenta. A precarização das condições internas do BC — com escassez de pessoal, orçamento travado e estrutura obsoleta — já impacta diretamente o desenvolvimento e aprimoramento da ferramenta. O Pix Automático, por exemplo, foi adiado em quase três anos. E outras funcionalidades previstas seguem tendo seu lançamento postergadas.
Além disso, a ampliação das funcionalidades do Pix trará ainda mais sobrecarga sobre o sistema. Em 2025, a média mensal de operações já supera a casa de 6 bilhões. Com o Pix Automático recém-lançado e outras inovações previstas, como o pagamento parcelado, esse número tem o potencial de pelo menos dobrar.
Do ponto de vista tecnológico, tais incrementos irão requerer maior investimento para suportar a capacidade de processamento, além de trazerem mais complexidade na fiscalização das regras e requisitos de segurança. Atualmente, apenas 32 servidores cuidam de toda a operação, regulação, supervisão, segurança e evolução do Pix.
Um sistema que movimenta quase R$ 3 trilhões por mês — cerca de três PIBs mensais — e que atende quase mil instituições financeiras e de pagamento, além de dezenas em processo de adesão. A sobrecarga é alta e as limitações orçamentárias também.
Esses números revelam um cenário institucional que impõe ao país um custo elevado e silencioso. Sem o arcabouço institucional compatível à sua missão, os riscos crescem a cada dia, há vulnerabilidades à segurança da informação, adiamento de projetos estratégicos e, mais grave, exposição crescente da população a fraudes e falhas operacionais.
O atraso na aprovação da PEC 65 compromete diretamente a capacidade técnica do Banco Central. A proposta, construída ao longo de anos com participação da diretoria colegiada, servidores da Casa e apoio público de representantes de governo e oposição, foi pensada para blindar a autoridade monetária de pressões político-partidárias ou corporativas, e garantir sua atuação com responsabilidade e eficiência.
A PEC não transforma o BC em entidade privada ou isolada do Estado. Ela apenas confere à instituição os instrumentos necessários para cumprir sua missão constitucional com autonomia e transparência, em sintonia com modelos já adotados em democracias consolidadas como Estados Unidos, Reino Unido, Chile e África do Sul.
A autonomia operacional do BC já foi assegurada pela Lei Complementar 179/2021, que instituiu mandatos fixos e não coincidentes para o presidente e diretores. A PEC 65 é a etapa seguinte (e essencial) para consolidar a autonomia administrativa e financeira que jamais se concretizou por conta de entraves legais.
O Brasil não pode continuar sacrificando sua infraestrutura financeira mais inovadora em nome de disputas burocráticas ou omissões estratégicas. Se o governo afirma que o Pix é do Brasil e que vai protegê-lo, é hora de garantir a célere aprovação da autonomia do Banco Central. A manutenção do Pix como bem público, gratuito e de acesso universal exige um Banco Central forte, estável e moderno. Exige, ainda, orçamento próprio, capacidade de contratação ágil e independência para operar com excelência técnica.
O tempo da hesitação já passou. É hora de agir. O Congresso Nacional tem hoje a oportunidade histórica de consolidar uma instituição de Estado preparada para os desafios de nosso tempo: open finance, moedas digitais, criptoativos, combate à lavagem de dinheiro e às fraudes digitais, educação e cidadania financeira. A aprovação da PEC 65 não é apenas um avanço para o Banco Central. É uma conquista para o Brasil.
- Vivian Rosadas: Auditora do Banco Central e presidente da ANBCB (Associação Nacional dos Auditores do Banco Central)
- Mayara Yano: Auditora do Banco Central e diretora para Assuntos Parlamentares da ANBCB
Fonte: Jota - Opinião