Reforma administrativa começa mal
Enviado Sexta, 25 de Julho de 2025.Proposta de reforma administrativa na Câmara é tímida e prioriza transparência no pagamento de penduricalhos, como se o cumprimento desse princípio constitucional fosse favor, e não obrigação
Começaram mal as discussões sobre uma reforma administrativa na Câmara. O coordenador do grupo de trabalho criado para debater o tema, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), disse ao Estadão que tem 17 propostas para disciplinar o pagamento de penduricalhos que elevam o salário do funcionalismo público. Paradoxalmente, nenhuma delas está nos textos que ele entregou ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), nos últimos dias.
A estratégia, segundo o deputado, será apresentá-las aos líderes partidários e testar a sua aceitação antes que elas sejam incluídas no pacote, formado por uma proposta de emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar e um projeto de lei ordinário. Dessa forma, ele acredita que as propostas não serão alvo de “sabotagem”, motivo pelo qual reformas anteriores teriam fracassado no Congresso.
“É muito fácil eu apresentar uma proposta apocalíptica, uma proposta com tudo – e tem propostas na Câmara que fazem isso, né? Tem propostas de todos os campos ideológicos, mas todas elas fracassaram, porque não se buscou ter algum tipo de diálogo político”, afirmou Pedro Paulo.
Em parte, o deputado tem razão. De fato, o lobby dos servidores públicos é um dos mais organizados do País, mas não se pode atribuir a ele o motivo do fracasso da última reforma administrativa que tramitou no Congresso. É inegável que esse tipo de proposta não avança sem o apoio contundente do Poder Executivo.
Foi exatamente o que faltou à PEC 32/2020, elaborada pela equipe econômica do governo Bolsonaro. Às vésperas da criação da comissão especial sobre o tema, em meados de 2021, o ex-presidente, preocupado com a eleição do ano seguinte, disse às lideranças do Congresso que o assunto não fazia parte de suas prioridades. Foi o que deu força para que o funcionalismo público destroçasse a PEC.
Ao final, o texto chegou ao ponto de propor elevar, em vez de diminuir, o número de carreiras típicas de Estado. Essa aberração até foi aprovada pela comissão especial criada para discuti-la, mas felizmente nunca foi submetida ao plenário. Mesmo desfigurada, a PEC 32/2020 não recebeu o apoio do governo Lula da Silva, que trata os servidores como parte de seu eleitorado cativo.
Desde 2023, o Executivo retomou os concursos públicos e concedeu reajustes a diversas categorias. Nesse contexto, e a menos de um ano e meio das eleições, não parece crível imaginar que o Congresso consiga aprovar uma reforma administrativa, mas é perfeitamente factível que os parlamentares ao menos façam discussões ambiciosas sobre temas espinhosos que chocam a sociedade, como os penduricalhos da cúpula do serviço público.
De todas as mamatas que já vieram à tona, a mais recente é o valor que o governo destinou em honorários advocatícios aos membros da Advocacia-Geral da União (AGU), procuradores da Fazenda Nacional e de autarquias. Foram R$ 18,6 bilhões desde 2017, atualmente administrados por um fundo formado por integrantes da categoria que se recusa a divulgar os valores sob o argumento de que a verba – pasmem – tem natureza privada.
Seria um bom momento para o deputado Pedro Paulo cobrar decoro da carreira, que é muito bem paga justamente para defender as causas da União. Sua proposta, no entanto, se limita a reafirmar que haja transparência em todos os atos remuneratórios.
Ora, transparência ainda é um dos princípios constitucionais da administração pública. Cumprir esse princípio não é favor: é obrigação. E os funcionários públicos beneficiados por esse “bônus” sabem muito bem disso. Afinal, foram aprovados em disputados concursos públicos que abordam questões muito mais complexas do que essa.
Nada, a não ser a disposição de driblar o teto remuneratório de R$ 46.366,19, justifica os penduricalhos que algumas carreiras do topo do serviço público criaram para si mesmas. Qualquer proposta que não enfrente o cerne da questão e, pior, tergiverse sobre ele não pode ser chamada de reforma. Uma discussão que já começa sob esses termos não merece avançar. Pelo amor ao debate, há que se diferenciar realismo e pusilanimidade.
Fonte: Estadão