Cinco princípios para uma reforma administrativa

Enviado Terça, 22 de Julho de 2025.

Oportunidade de fazer diferente está posta; resta saber se Congresso e governo serão capazes de transformá-la em avanço real

Após anos de debates polarizados e tentativas frustradas de tramitação, a reforma administrativa volta ao centro da agenda legislativa em 2025. Com a instalação de um Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados, sob a liderança do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), busca-se agora apresentar uma proposta de reforma administrativa alternativa à PEC 32/2020, criticada em versões anteriores por seu viés fiscalista e por propor medidas que fragilizavam direitos dos servidores. 

O novo esforço pretende construir uma proposta de modernização do Estado sem comprometer os princípios constitucionais que regem o serviço público, priorizando eficiência, equidade e profissionalismo.

A atuação do grupo tem se caracterizado por maior abertura ao debate. Foram realizadas audiências públicas temáticas, eventos em parceria com centros acadêmicos, entrevistas com especialistas e reuniões com entidades representativas de servidores e do setor produtivo.

Essa escuta ampla é uma tentativa de desinterditar o debate, resgatando a reforma administrativa como uma agenda de Estado — e não como um projeto de curto prazo vinculado a ajustes fiscais. O desafio, no entanto, permanece: como garantir maior capacidade de gestão e inovação no setor público sem abrir espaço para retrocessos institucionais?

Embora o discurso seja de modernização responsável, é preciso cautela. Muitos dos instrumentos propostos, como contratos temporários mais flexíveis ou avaliação de desempenho com mecanismos arbitrários de diferenciação de desempenho, como as "curvas forçadas", podem ser ineficientes, especialmente em órgãos públicos com baixa maturidade em gestão de pessoas. A ausência de garantias sólidas para proteger a impessoalidade, a estabilidade e a continuidade de processos e entregas ainda é uma lacuna preocupante.

O Instituto República.org, que integra o grupo que está discutindo uma nova proposta, defende que a reforma administrativa é necessária para um Estado melhor, porém deve observar alguns princípios norteadores para que a mesma não se desvirtue de seu propósito. São cinco princípios fundamentais para orientar qualquer processo de transformação do Estado, que devem estar previstos de alguma forma nos instrumentos finais que serão produzidos pelo GT.

O primeiro deles é o fortalecimento da capacidade estatal e da geração de valor para o cidadão. A reforma deve ampliar a capacidade dos órgãos públicos de formular e entregar políticas públicas eficazes e serviços de melhor qualidade. Isso implica incentivar o planejamento estratégico, a cultura de resultados e a inovação no setor público.

O segundo é a simplificação, racionalização e otimização da gestão do Estado. É necessário reduzir a complexidade administrativa, com regras mais claras, menos burocracia e melhores sistemas de gestão, favorecendo o uso eficiente dos recursos públicos. 

O terceiro diz respeito a redução de desigualdades dentro do funcionalismo público. A reforma deve enfrentar assimetrias internas, promovendo equidade na distribuição de oportunidades, cargos de liderança e estrutura remuneratória, além de ampliar o acesso de grupos historicamente sub-representados. 

O quarto é a valorização do servidor e do serviço público. O servidor não pode ser tratado como obstáculo, mas como agente fundamental de mudança. Isso exige políticas de desenvolvimento, reconhecimento de desempenho, combate ao assédio e melhoria do ambiente organizacional.

O quinto e último é a transparência e responsabilidade no serviço público. O compromisso com a abertura de dados, prestação de contas e controle social deve permear todas as etapas da reforma, garantindo legitimidade e integridade à gestão pública.

Esses princípios oferecem um referencial ético e técnico essencial para distinguir modernização de desmonte, inovação de precarização, eficiência de improviso. Uma reforma administrativa genuinamente transformadora será aquela que combinar responsabilidade institucional e compromisso com o valor público com sustentabilidade fiscal.

Mais do que eficiência operacional, a reforma precisa promover justiça administrativa, equidade, estabilidade institucional e capacidade de entrega para o cidadão. Isso exige não apenas bons textos legislativos, mas articulação política, gestão, compromisso social e monitoramento contínuo da sociedade civil organizada.

A oportunidade de fazer diferente está posta. Resta saber se o Congresso e o Executivo serão capazes de transformá-la em um avanço real e terão capacidade de mobilização de diversos atores para sua efetiva implementação. Só assim poderemos atender melhor os anseios da população e responder à crise de confiança nos governos e nas instituições.

- Renata Vilhena: Presidente do Conselho da República.org

Fonte: Site Jota - Opinião