Estimamos saída de 180 mil servidores em dez anos e não devemos repor nem um terço, diz Esther Dweck

Enviado Quarta, 09 de Julho de 2025.

A Ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos do governo Lula, Esther Dweck afirma que a reforma administrativa defendida pela pasta terá, sim, resultados fiscais - ou seja, de economia para o governo - no médio e até no curto prazo.

Até então, Dweck vinha sustentando que a reforma do serviço público não tinha como objetivo reduzir custos, mas ganhar eficiência. Nesta entrevista ao Estadão, a ministra afirma que o governo Lula já vem empregando mudanças que geraram economia e que, na próxima década, os gastos com o pagamento de servidores tendem a cair, como resultado das reformas da previdência do funcionalismo de 2003 e 2013.

“Desde 2010, a gente teve uma saída de mais de 240 mil servidores. E a gente repôs uma parte; mas, ainda assim, houve uma perda líquida de mais de 70 mil pessoas. A gente vai repor 15 mil. A nossa estimativa para frente é uma saída de uns 180 mil nos próximos dez anos. E a gente acha que não vai repor nem um terço disso, porque o efeito da digitalização é a necessidade de menos pessoas”, diz.

A reforma administrativa deve ganhar tração nesta semana com a entrada do governo Lula no debate que está sendo travado no Congresso Nacional, sob patrocínio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que elegeu o tema como uma de suas prioridades. Dweck participa nesta quarta-feira, 9, de audiência na comissão especial sobre o tema na Câmara.

A reforma visa a estabelecer novas regras para a contratação e promoção de servidores públicos nas três esferas administrativas: federal, estadual e municipal. Há a expectativa de que também crie limites para os chamados supersalários, principalmente adotados no Judiciário, além de indicadores de desempenho.

“A reforma que a gente está propondo tem ganhos fiscais no médio e até no curto prazo. Quando se fala em reforma administrativa, a gente fala em três áreas: pessoal, digital e organizações e processos. No digital é onde se tem um grande ganho de curto e médio prazos. Porque, bem feito, ele reduz muito a necessidade de recursos, de pessoas, de não replicar o mesmo serviço várias vezes”, afirma Dweck.

Na entrevista, a ministra afirma que o governo não pretende apresentar um plano solo, mas contribuir com ideias dos deputados para criar um ambiente pró-reforma.

“Eu quero caminhar num consenso mínimo. Se o mínimo for que não pode pagar retroativo de verbas indenizatórias, eu já estou feliz. Porque esse retroativo é muito ruim, é onde se vê ‘o tribunal pagou R$ 1 milhão para uma pessoa’”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Pesquisa Quaest mostrou que o projeto de limitar os supersalários tem apoio de apenas um terço dos deputados e apenas a metade concorda em colocar sob o teto do funcionalismo as verbas indenizatórias, os chamados ‘penduricalhos’ do Poder Judiciário. A sra. vê possibilidade de avanço da reforma administrativa nesse ambiente e tão perto da eleição?

Supersalários é um tema que a gente aborda desde as primeiras reuniões, em 2023, e a gente já sabia que no Congresso não seria simples de ser aprovado. Com a formação do grupo de trabalho da reforma administrativa, eu pensei que seria uma oportunidade de fazer o que eu acho essencial para essa pauta andar: um diálogo entre os três Poderes. Porque onde há maior descumprimento ao teto é no Judiciário, e é um tema que é muito espinhoso para o Judiciário enfrentar. A gente percebe que no Supremo e no CNJ começou a ter mais apetite para enfrentar esse tema, mas está bem longe de ter um consenso final sobre qual seria o ideal.

 

A sra. atribui o baixo apoio na Câmara à resistência do Judiciário?

Parte tem a ver com isso, porque no Legislativo tem muito menos descumprimento do teto (de R$ 46,3 mil mensais). O ponto é que não é só o Judiciário federal, mas o estadual também. Então, tem essa pressão para não regulamentar o supersalário. A gente está defendendo que talvez o ideal seja aprovar a proposta original do Senado. Não a que está hoje, que veio da Câmara, que tem muita exceção; mas o original, que era mais restritivo (com os penduricalhos que podem passar do teto). Isso seria interessante.

 

O governo vai apoiar então o texto original do Senado?

Eu quero caminhar num consenso mínimo. Se o mínimo for que não pode pagar retroativo de verbas indenizatórias, eu já estou feliz. Porque esse retroativo é muito ruim, é onde se vê “o tribunal pagou R$ 1 milhão para uma pessoa”. Estamos tentando caminhar para formar um consenso com o Legislativo e Judiciário, mas eu não sei se no tempo do grupo de trabalho vai ser possível. E, nesse ponto, eu estou de acordo com o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) (coordenador do grupo de trabalho da reforma administrativa): se a gente não fizer nada, para a sociedade, vai ser uma coisa bem frustrante.

 

Mas, antes do consenso, qual é a proposta do governo?

Se fosse para fazer algo no curto prazo, aprova o (original) do Senado que a gente acha que já tem um impacto. Mas, se não for isso, que a gente coloque a proibição de pagamento retroativo de verbas indenizatórias, que é o segundo melhor. O terceiro melhor seria botar um limite máximo do porcentual que pode ser pago em verbas indenizatórias.

 

Máximo em valor?

Um porcentual do teto, o que o pessoal tem chamado de subteto, de 30%, 40%; teria que discutir o porcentual.

 

Alguns parlamentares têm o entendimento de que não haveria necessidade de regulamentação, uma vez que o teto está na Constituição. Por que o governo não aplica?

O Executivo federal aplica o teto remuneratório, quem não aplica são os outros Poderes. E aí, vale a autonomia dos Poderes. Hoje, com a atual regra fiscal, há mais independência ainda. Como cada poder tem o seu próprio limite de gastos, se eles não estiverem descumprindo o limite... (poderiam conceder reajustes extrateto). Essa lógica vem desde a criação do teto de gastos no governo Temer. Só que o Executivo não paga só o seu; ele paga o dia a dia dos benefícios sociais, da Previdência, que crescem independentemente do que o Executivo faz. Nos demais Poderes não existe isso; o que eles pagam dentro do limite é basicamente o custeio deles, o pessoal. Então, quando demos um crescimento real (o arcabouço fiscal permite um aumento de 2,5% acima da inflação anualmente), a gente abriu mais espaço para eles (ampliarem gastos com pessoal).

 

A sra. defende alterar isso?

Acho difícil, mas para que se entenda que, para o Executivo, a regra permitiu pagar os benefícios sociais sem comprometer tanto a parte discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio) do Orçamento. No caso deles (o Judiciário), não. Eles não têm pagamentos que vão além do funcionamento deles.

 

A sra. tem falado que a reforma administrativa tem como foco eficiência. Mas se você está sendo mais eficiente, você também não tem que produzir mais com menos? Por que a proposta do governo não tem nem como objetivo secundário reduzir despesas?

O que eu me coloquei bastante contrária foi quando se falou que a reforma administrativa entregaria medidas de ajuste fiscal, como mudanças na saúde e educação, desvincular a previdência, isso eu sou contra; mas é um debate para outro projeto, não para reforma administrativa. Isso não significa que a reforma administrativa não vá aumentar a qualidade do gasto, fazer mais com menos. Isso, sim.

 

Pode dar exemplos?

A reforma que a gente está propondo tem ganhos fiscais no médio e até no curto prazo. A gente já fez coisas bem concretas, que têm impacto. Por exemplo: a gente tem uma área centralizada de apoio aos ministérios, uma secretaria de serviços compartilhados, que a gente chama de Colabora Gov, que presta serviço a 13 ministérios. Só com não replicar estruturas nos ministérios de área de suporte - licitação, gestão de pessoas, TI, suporte de TI, compras centralizadas - já dá R$ 1 bilhão de economia nos quatro anos. Estamos estimando agora a economia só de fazer as compras centralizadas, porque o custo que caiu foi gigantesco. Outro exemplo é na área digital, porque quando se fala em reforma administrativa, a gente fala em três áreas: pessoal, digital e organizações e processos. No digital é onde se tem um grande ganho de curto e médio prazo. Porque, bem feito, ele reduz muito a necessidade de recursos, de pessoas, de não replicar o mesmo serviço várias vezes. A gente estimou custos, em horas que se deixou de gastar, tanto para o setor público quanto para o privado, de R$ 7,5 bilhões desde 2023. São coisas simples que dão resultado.

 

Onde isso aparece nos gastos do governo?

Você deixa de aumentar o gasto, o custeio dos ministérios, gasto discricionário. Agora, a digitalização tem outro impacto na área de pessoas. Desde 2010, a gente teve uma saída de mais de 240 mil servidores. E a gente repôs uma parte; mas, ainda assim, houve uma perda líquida de mais de 70 mil pessoas. A gente vai repor 15 mil. A nossa estimativa para frente é uma saída de uns 180 mil nos próximos dez anos. E a gente acha que não vai repor nem um terço disso, porque o efeito da digitalização é a necessidade de menos pessoas.

 

Isso vai aparecer nos números de gastos com pessoal?

Vai aparecendo nos números porque você vai começar a ver uma queda de pessoal no serviço público. Não uma queda em relação ao governo anterior, que falou em digitalização para não contratar ninguém. Isso não faz sentido. O próprio Banco Central está pedindo para a gente autorizar um concurso de 100, eles estão pedindo para chamarem mais 300 e querem já autorizar um novo concurso. E o Banco Central que é o arauto, digamos assim, do fiscalismo. O Campos Neto (ex-presidente do BC) foi quem pediu muito mais vagas do que a gente autorizou, mas a gente não tinha condições de atender a todas as demandas, então a gente foi fracionando. E ele mesmo falou que considerava um pouco equivocado a forma como foi feita a redução da despesa com pessoal, simplesmente não contratando ninguém e não dando reajuste para ninguém. É mais uma das bombas que foram jogadas para frente. É inviável.

 

Mas a crítica que faz é que o governo aproveitou, não deu só reajuste, mas também fez uma revisão de carreiras no momento de ajuste fiscal. Por quê?

A gente estruturou para alongar as carreiras. A gente tinha 30% das carreiras com 20 níveis de progressão (degraus de promoção no serviço público). A gente chegou a 86% das carreiras com 20 níveis. Elas tinham 13 níveis de progressão, o que em tese era uma promoção a cada ano e meio. Agora, no mínimo, elas terão 19 anos para chegar no topo (salarial). Só que a maneira como o nosso governo faz isso é sentando com uma por uma e negociando, sendo duro. Era impossível não dar mais reajuste, os servidores já tinham tido perdas de quase 50% em termos reais. Era uma loucura. A gente optou por fazer, no primeiro ano, linear de 9%, que era o que a gente chamou de emergencial, e passou a ir negociando carreira a carreira. Agora, quando você alonga a carreira, torna o processo de progressão mais importante para o servidor. Então, o que a gente tinha colocado no Congresso e foi retirado é implementar um sistema, que já existe desde 2008 mas nunca foi implementado, de critérios no processo de promoção que não seja só tempo de serviço.

 

São indicadores de qualidade, dá para interpretar dessa forma?

De qualidade, de desempenho, de ocupação de cargos de difícil provimento. Na minha carreira, que é de professor universitário federal, a gente tem uma série de regras de progressão e promoção. Algumas áreas de ciência e tecnologia têm muito isso, mas nem todos os servidores têm regra mais dura de progressão. Então, a gente botou esse sistema, que é o SIDEC, para implementar regras para que a progressão e promoção não fosse só para o tempo de serviço. Vamos reapresentar agora para o grupo de trabalho da reforma para discutir.

 

Os dados do Tesouro mostram que a despesa com pessoal no governo Temer era de 4,3% do PIB e caiu para 3,1%. Se a partir de agora, com os reajustes que o ministério está dando, essa rubrica começar a subir de novo, haverá uma nova fonte de pressão de gastos obrigatórios crescendo. Como fazer ajuste fiscal com alta com pessoal?

Ela não vai voltar a subir. E a gente demonstrou isso. A gente vai ter o impacto final dos reajustes em torno de R$ 26 bilhões em 2027. Seria 0,3% do PIB se o PIB ficasse parado. Só que o PIB está crescendo. Então, o crescimento real é menos de 2,5% ao ano, que é o teto do arcabouço. Se eu fosse dar só a inflação, que seria o mínimo, a gente teria uma queda em relação ao PIB. Eu estou dando um pouco de ganho real.

 

Mas está crescendo em que velocidade?

Está menos de 2,5%, em torno de 2,2%. Mas isso inclui também os concursos, além dos reajustes, também os militares, que não estavam na conta que a gente apresentou, porque essa conta era só dos civis. Com tudo isso, cresce menos que 2,5% em termos de reais por ano. Menos que o arcabouço e que a expectativa para o PIB deste ano.

 

Mas o PIB deve desacelerar no ano que vem...

Em 2024, a gente não deu reajuste; os 2,5% de crescimento na média são para os quatro anos de governo. A gente olha os cenários para o crescimento de despesas para saber o que dá de espaço para reajuste. Em 2024, não teve espaço. Em 2025, vai ter crescimento, mas compensando 2024. Além disso, tem efeito da primeira reforma (da Previdência do serviço público) do presidente Lula lá em 2003, 2004, quando ele tirou a paridade. E o Funpresp em 2013 com a presidenta Dilma (que limitou as aposentadorias ao teto do INSS e criou um fundo de contribuição individual para os servidores).

 

Há números que comprovem isso?

Tem uma curva que mostra que, a partir de 2030 e 2035, as despesas com inativos inflexionam completamente. A tendência de médio prazo de gasto pessoal é cair; não é do curtíssimo prazo, mas é do médio prazo. A gente acha que antecipou, porque houve um processo de migração de pessoas que entraram antes de 2013 para o Funpresp. Agora, no curto prazo, a gente tem uma regra fiscal que põe um limite de crescimento (dos gastos). Então, qualquer pessoa que for autorizar reajuste em concurso está sujeito a essa regra. Não tem muito como autorizar um grande reajuste diante dessa regra. Quando o governo botou essa regra, ele já limitou várias despesas. Nessa que a gente tem mais controle, que é o reajuste, é impossível alguém dar um reajuste que vai fazer a despesa crescer muito acima.

 

Olhando o cenário político, o presidente da Câmara, Hugo Motta, deseja ter uma proposta de reforma administrativa pronta em 14 de julho. Dá tempo de o governo apresentar sua proposta?

Aqui no ministério a gente está trabalhando desde 1º de janeiro de 2023 na nossa reforma administrativa. A gente resolveu que vai ficar nisso por enquanto.

 

E o que tem nessa reforma?

A gente já tem 38 medidas que a gente fez, mas na verdade, são mais, entre medidas legais, infralegais e administrativas. E que se divide em três grandes grupos, de transformação digital, gestão de pessoas e organizações públicas. São decretos, portarias, projetos de leis, muitas delas já em tramitação no Congresso. Então, vai desde de um decreto com estratégia digital para o governo, carteira de identidade nacional, que ajuda muito no combate a fraudes, até o concurso público unificado, reestruturação de carreiras, transversalização de carreiras, portal de compras do governo, que também gera muita economia.

 

 

 

Fonte: Estadão