Há benefício tributário protegido?
Enviado Segunda, 23 de Junho de 2025.Não há impedimento jurídico ou técnico para incluir todos os benefícios tributários num programa de ajuste fiscal que contemple também cortes de despesas obrigatórias
O vultoso tamanho dos benefícios tributários concedidos no âmbito federal voltou ao centro das atenções. Desta feita, o tema ressurgiu ao se incluir o corte desses benefícios no rol de compensações para a perda de receita com a reversão parcial do decreto do IOF.
Temos discutido esse tema pelo menos desde quando estávamos na Instituição Fiscal Independente (IFI). Publicamos, recentemente, dois artigos com uma proposta de ajustamento fiscal para o País, que contempla corte de benefícios tributários e de gastos obrigatórios. O ajuste seria de 2,6 pontos porcentuais de PIB, obtidos de modo linear, num prazo de quatro anos. Um ponto porcentual viria da redução de benefícios. A dívida/PIB se estabilizaria em dois anos, ainda que em patamar alto.
De acordo com a Receita Federal do Brasil, a perda de receita com os chamados gastos tributários, apenas no âmbito federal, chegou a 4,9% do PIB, em 2022, último ano de cálculo em bases efetivas. Trazidos para o PIB esperado de 2025, estamos falando em impressionantes R$ 621 bilhões. A cifra equivale a mais de três vezes e meio o orçamento anual do Bolsa Família. As declarações feitas diretamente pelas empresas via Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirb) têm apontado valores ainda mais significativos.
Com a retomada do tema, temos visto comentários interessantes sobre a suposta proteção contra cortes desse ou daquele benefício. Entendemos que a única proteção que existe é a política. Vale dizer, não se pode cortar, porque os interessados têm influência suficiente junto ao Congresso para afastar a tesoura.
No mais, não há que se falar em proteção, técnica ou jurídica. A primeira diz respeito à sustentação do benefício com base em técnicas de avaliação de políticas públicas, ex ante e ex post, o que justificaria a sua preservação. Mas essa sustentação só pode ocorrer se certas condições forem atendidas, como a existência de objetivos claros, mensuráveis em metas, avaliação periódica, prazo determinado e órgão expressamente designado e responsabilizado para acompanhar e avaliar o gasto tributário em questão.
Dado o estágio da aplicação de avaliação de políticas públicas no Brasil, possivelmente, essas condições não estão satisfeitas na grande maioria ou até mesmo na totalidade dos benefícios concedidos. Uma vez que o tratamento diferenciado entra no ordenamento, permanece indefinidamente, sem qualquer espécie de avaliação.
Alguns são contrários ao corte linear de benefícios por considerar que o desejável seria promover essas reduções com respaldo na avaliação. Seria razoável, de fato, se tivéssemos incorporado a avaliação na rotina dos benefícios ao longo do tempo. Contudo, na esfera federal, depois dos avanços iniciais no fim da década passada, houve pouquíssimo progresso. Como leva tempo para amadurecer essa rotina, condicionar os cortes à avaliação criteriosa termina em inércia. É verdade que São Paulo promoveu recentemente redução de benefícios tributários a partir de avaliação, processo que teve início ainda quando estávamos na Secretaria da Fazenda e Planejamento.
Os estudos e pesquisas eventualmente já feitos sobre certos benefícios, em geral desabonadores, podem até ser considerados, mas a urgência trazida pela fragilidade fiscal da União e suas consequências ensejam alguma linearidade no corte desses benefícios. E dado o tamanho que os benefícios alcançaram, são reduzidas as chances de que o corte linear devidamente calibrado cometa erros graves.
Vimos, portanto, que os benefícios existentes no âmbito federal, e bem possivelmente nas demais esferas de governo, não encontram respaldo em análises técnicas. Nos atrevemos a dizer também que, tampouco, estão protegidos juridicamente.
Alguns deles até podem estar previstos no corpo da Constituição, mas daí a se afirmar que estariam blindados há uma distância muito grande. Ademais, a Constituição já foi mudada 135 vezes até agora. Apenas as cláusulas pétreas são intocáveis.
Em relação ao Simples Nacional, por exemplo, a Constituição apenas determina que as micro e pequenas empresas devem ter tratamento diferenciado e favorecido, inclusive regimes especiais e simplificados para impostos e contribuições (artigo 146, inciso III, alínea “d”).
Muito distante do que temos atualmente, mais de R$ 100 bilhões em renúncia de receita, de acordo com a Receita Federal do Brasil (base efetiva 2022), fruto da extensão do regime, seja em faturamento, seja em atividades, tudo definido em lei complementar. Teoricamente, a simplificação das obrigações acessórias por si só já seria compatível com o dispositivo constitucional.
Comentários semelhantes podem ser ditos a respeito de outros benefícios gigantes, como os relativos à Zona Franca de Manaus (R$ 26,5 bilhões) e às Entidades sem Fins Lucrativos (R$ 35,5 bilhões).
Enfim, do ponto de vista jurídico ou técnico, não há impedimento para incluir todos os benefícios tributários num programa de ajuste fiscal que contemple também cortes de despesas obrigatórias. No fim do dia, o que importa é a vontade política no tratamento dessa questão.
- Por Felipe Salto e Josué Pellegrini: ambos foram diretores da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal
Fonte: Estadão - Opinião