Taxação americana não foi sentida no Brasil
Enviado Segunda, 26 de Maio de 2025.Clima ainda é de cautela para indústria, mercado e exportadores
O anúncio do novo pacote tarifário dos Estados Unidos contra o Brasil em abril acendeu o sinal de alerta em setores estratégicos da economia brasileira. Mas, passados dois meses, os efeitos ainda não foram suficientes para provocar mudanças concretas nas estratégias empresariais.
Na indústria, a principal consequência até agora tem sido o compasso de cautela.
— O impacto das tarifas americanas no mercado brasileiro ainda é incipiente, mesmo porque tem formação de estoques, tem discussões de postergação e essas novas negociações criam expectativas — afirma Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Apesar de o setor não ter sofrido retrações diretas, a CNI enviou uma missão aos Estados Unidos agora em maio. O objetivo foi negociar tratamento diferenciado por setor e sinalizar que o Brasil tem projetos de complementaridade produtiva com os americanos, incluindo cadeias de semicondutores, terras raras, SAF e data centers verdes.
O presidente da CNI alerta, no entanto, que as tarifas americanas já provocam um desvio na balança comercial com outro parceiro: a China.
— Nós temos 55% das nossas exportações de manufatura só para os EUA, é o principal destino dos nossos bens intensivos em tecnologia. Então, essa solução precisa ser encontrada o mais rápido possível, e entendemos que deveria ser feito também de forma setorial — diz Alban.
10%: Tarifas para todos os produtos brasileiros. Taxas fazem parte de medidas protecionistas de Trump, para favorecer a indústria americana
25%: Taxas adicionais sobre aço e alumínio. Embargo foi suspenso por 90 dias para a maioria dos países, exceto a China.
36,4%: Tarifa total sobre exportação de carne brasileira. Mesmo com a taxação, a carne do Brasil continua mais barata que a americana e outros fornecedores
Made in China
O movimento também preocupa a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Segundo a entidade, só em março as importações de calçados da China cresceram 51,7% em relação ao mesmo mês de 2024. Em comunicado do início de abril, o presidente da entidade, Haroldo Ferreira, alertava que “essa invasão [de calçados chineses] ocorre antes mesmo da entrada em voga da nova tarifa. A previsão é de que aumente ainda mais nos próximos meses [...] A China não ficará sem escoar essa produção”.
Já no agronegócio, o ritmo não apenas foi mantido como acelerou em alguns setores, como o da carne.
— Mesmo após o aumento de dez pontos percentuais nas tarifas impostas pelos EUA, as exportações brasileiras de carne bovina não sofreram retração — diz Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
Em abril, o Brasil enviou 48 mil toneladas de carne bovina para o mercado americano, seis vezes mais que no mesmo mês de 2024. Mas mesmo com tarifa total que pode chegar a 36,4%, a carne brasileira continua mais barata, explica Perosa:
— Se a carne brasileira chega ao mercado a US$ 30 e sofre o acréscimo tarifário, ainda assim permanece muito mais competitiva que a carne americana, cotada a US$ 100.
No mercado financeiro, o impacto foi difuso, mas não irrelevante. Para Eduardo Castro, CIO da Portofino Multi-Family Office, o vaivém das decisões americanas desestabilizou o horizonte de previsibilidade dos agentes econômicos. Segundo ele, o mercado global esperava que Trump fosse “positivo para ativos de risco”, mas a realidade surpreendeu.
— Veio algo que se imaginava que viria, mas numa intensidade e numa desorganização, numa ausência de tecnicidade tão grande que deixou mercados e economia real absolutamente perdidos — diz.
Emprego estável
A guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos também deve levar a uma mudança na diversificação de carteiras internacionais, o que não deve abalar a posição americana no mercado, segundo Castro:
— Os EUA não vão deixar de ser a principal economia do mundo, nem o principal país pra oferta de títulos e ativos financeiros, só que serão em um ponto de equilíbrio diferente.
A percepção é compartilhada por João Daronco, analista da Suno Research. Segundo ele, não existe, até o momento, “nenhum direcionamento concreto de uma empresa que está reduzindo o custo, cortando pessoal ou diminuindo investimentos propriamente dito”. Para ele, o impacto poderá ser percebido a partir “de julho e agosto, quando as empresas começarem, de fato, reportar os seus números”.
Do lado do emprego, a sobretaxação ainda não fez efeito. Não há anúncio oficial de supressão de postos de trabalho causada pelo aumento das tarifas, muito pelo contrário. Segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE, a taxa de desemprego ficou em 7% no primeiro trimestre de 2025, a menor registrada para o período nos últimos 13 anos. Também não houve sinal de deterioração nas indústrias voltadas à exportação.
Fonte: O Globo