Reforma tributária e créditos de carbono

Enviado Quinta, 24 de Abril de 2025.

O equilíbrio entre arrecadação e incentivo à sustentabilidade será fundamental para posicionar o Brasil como ator relevante no cenário global de créditos de carbono

Nos últimos anos, a questão climática ganhou relevância global, não apenas pelo impacto ambiental, mas pelas consequências econômicas dos eventos climáticos extremos. Em resposta, os países signatários do Acordo de Paris têm avançado na regulamentação ambiental, com destaque para a precificação do carbono.

Nesse contexto, o mercado de créditos de carbono se tornou um mecanismo essencial para a compensação de emissões residuais de gases de efeito estufa. Cada crédito representa a remoção de uma tonelada de gás carbônico equivalente (CO2e) da atmosfera. A geração desses créditos ocorre por meio de projetos ambientais de conservação, reflorestamento e troca de matriz energética, com a certificação por entidades reconhecidas, garantindo sua eficácia na mitigação dos impactos ambientais.

No Brasil, a regulação desse mercado evoluiu ao longo dos anos. A Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, classificava o crédito de carbono como título mobiliário negociável. Já a Lei nº 12.651/2012, que instituiu o Código Florestal Brasileiro, o definia como título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável.

Os dois textos foram revogados com a promulgação da Lei nº 15.042/2024, que instituiu um novo marco regulatório e criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). De acordo com a nova regra, o crédito de carbono é um ativo transacionável, autônomo, com natureza de fruto civil, representando a retenção, redução ou remoção de uma tonelada de CO2e, gerado por projetos públicos ou privados com metodologias reconhecidas, conforme limitações legais.

A nova definição legal do crédito de carbono não é tecnicamente a mais precisa, pois o enquadramento como fruto civil é incompatível com próprio entendimento legal desse instituto, mas sua regulamentação é essencial para que os impactos jurídicos decorrentes da comercialização sejam melhor analisados e compreendidos. No contexto fiscal, essa definição ganha ainda mais relevância, especialmente diante da recente reforma tributária.

A Lei nº 15.042/2024 estabeleceu um regime tributário específico para ativos transacionados tanto dentro quanto fora do SBCE. Embora não tenha sido clara em relação às alíquotas aplicáveis, a nova norma determina que os ganhos com a alienação desses ativos sejam tributados pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), conforme as regras aplicáveis a bolsas de valores e ganhos de capital, seguindo o regime tributário da pessoa jurídica (presumido, real ou arbitrado). Por outro lado, o artigo 19 da lei prevê que as receitas decorrentes das alienações dos ativos não estarão sujeitas à incidência do PIS e da Cofins.

A aprovação da reforma tributária, posterior à entrada em vigor da Lei nº 15042/2024, pode afetar as transações comerciais envolvendo créditos de carbono, o que torna essencial a análise minuciosa de sua tributação para garantir segurança jurídica e previsibilidade ao mercado.

Há dois aspectos tributários relevantes que certamente serão objeto de discussões mais aprofundadas: a tributação das receitas decorrentes das alienações dos créditos de carbono, com a substituição do PIS e da Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e a possível incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) sobre esses créditos, agora considerados frutos civis.

A CBS difere do PIS/Cofins quanto à hipótese de incidência, aplicando-se às operações onerosas com bens e serviços, assim como o IBS. Essa mudança poderá gerar questionamentos sobre o enquadramento das receitas derivadas da comercialização de créditos de carbono como operações sujeitas à CBS, especialmente considerando a sua nova classificação legal como ativos transacionáveis e autônomos.

Quanto ao IBS, a dúvida central reside em saber se a classificação dos créditos de carbono como frutos civis - florestais de preservação ou reflorestamento - os enquadra como bens passíveis de tributação. A Lei Complementar nº 214/2025 prevê a incidência do imposto sobre operações onerosas de bens, serviços e direitos, o que pode gerar debates, especialmente quando esses créditos são negociados fora do mercado financeiro e de capitais.

Assim, a promulgação da Lei nº 15.042/2024 e a implementação da reforma tributária adicionam camadas de complexidade ao tratamento dos impostos sobre créditos de carbono no Brasil.

Importa dizer, nesse caso, que a eventual interpretação pela incidência do CBS e do IBS sobre essas transações poderá inviabilizar economicamente os projetos de originação dos créditos de carbono. Especialmente se considerarmos que alguns deles são realizados por populações tradicionais, indígenas e pequenos e médios proprietários rurais. Além disso, na maior parte das vezes, os investimentos no projeto são significativos antes que o ativo a ser comercializado seja obtido.

Essas mudanças demandam uma análise cuidadosa por parte dos agentes do mercado, dos operadores do direito e do Poder Legislativo, não apenas para garantir conformidade fiscal, mas para assegurar que o regime tributário não se torne um entrave ao desenvolvimento do mercado de carbono no país e na decorrente geração de renda. O equilíbrio entre arrecadação e incentivo à sustentabilidade será fundamental para posicionar o Brasil como ator relevante no cenário global de créditos de carbono e na geração de riqueza doméstica, principalmente para as populações florestais e rurais, substancialmente afetadas pela mudança do clima.

- Victor Hugo Toioda e Tiago Ricci são, respectivamente, coordenador jurídico e diretor jurídico da Systemica

Fonte: Valor Econômico