Regulamentação da reforma tributária é aprovada pelo Congresso com avanços e riscos para os Estados; entenda os principais pontos
Enviado Sexta, 20 de Dezembro de 2024.O Congresso Nacional aprovou, nesta terça-feira (17), o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária, que agora segue para sanção presidencial. O Projeto de Lei Complementar 68/2024 estabelece as novas regras para a cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS).
Com o novo sistema tributário brasileiro, o IBS, a CBS e o IS substituirão o PIS, a Cofins, o ICMS, o ISS e, parcialmente, o IPI.
O texto final detalha as regras gerais dos tributos, os regimes de redução ou isenção, o mecanismo de cashback (restituição de tributos para consumidores de baixa renda), as regras para compras internacionais realizadas pela internet e a integração dos sistemas de pagamento com o sistema de arrecadação tributária.
Para os Estados e o Distrito Federal, o PLP 68/2024 trouxe avanços, mas também apresenta alguns desafios. Entre as demandas das secretarias estaduais de Fazenda incluídas no texto aprovado estão propostas oriundas de emendas elaboradas pelo Comsefaz, Confederação Nacional do Municípios e Frente Nacional dos Prefeitos e encaminhadas pelo Fórum de Governadores ao Senado Federal.
Nanoempreendedor
A criação de regime especial voltado para trabalhadores informais de baixa renda representa um avanço. Esse segmento, essencial para a dinâmica da economia local, contará com incentivos que visam facilitar sua formalização e operação.
Para assegurar a integridade dessa nova categoria, o texto aprovado incorporou ajustes inspirados na emenda apresentada pelo Comsefaz, que estabelece critérios semelhantes aos aplicados ao MEI (Microempreendedor Individual). Entre as regras destacam-se a proibição de possuir mais de um estabelecimento e a vedação à participação em outras empresas. Essas medidas visam fechar brechas que poderiam levar a fraudes fiscais e gerar concorrência desleal, fortalecendo a eficácia da política pública e garantindo que os benefícios alcancem o público-alvo adequado.
Autonomia Federativa para Regulamentação
A decisão de manter a redação original, com regulamentos autônomos para os dois tributos envolvidos na reforma foi amplamente celebrada pelos entes subnacionais.
Nos aspectos comuns ao IBS e à CBS, haverá padronização normativa a ser definida em ato conjunto pelo Comitê Gestor e pelo Governo Federal. O Comitê Gestor terá autonomia para gerir as especificidades do regulamento do IBS, conforme as competências previstas na Constituição.
O Comsefaz, a CNM (Confederação Nacional de Municípios) e a FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos) se posicionaram de forma contundente contra a possibilidade de um regulamento único, argumentando que essa medida comprometeria a autonomia dos entes subnacionais. A oposição foi formalizada em uma carta pública, reforçando a necessidade de preservar a estrutura constitucional.
A reforma tributária sobre o consumo aprovada pelo Congresso reconhece a distinção de competências entre os entes federativos: o IBS ficará sob gestão de Estados, Distrito Federal e Municípios, coordenadores por meio do Comitê Gestor, enquanto a CBS será regulamentada pelo Executivo Federal. A manutenção dessa autonomia não é apenas uma prerrogativa constitucional, mas um alicerce para o equilíbrio federativo e para o sucesso da reforma tributária.
Combustíveis
A regulamentação do segmento dos combustíveis conheceu avanços, mas ainda merecem atenção. As sugestões dos Estados e Municípios foram atendidas apenas parcialmente. Um dos destaques foi a incorporação de uma emenda ao texto final que reduz o período-base para cálculo das alíquotas a serem aplicadas, de 36 para 12 meses. Essa mudança traz maior previsibilidade e reduz distorções na formação dos preços.
Em relação ao período de transição dos tributos, os Estados e Municípios defenderam a inclusão dos combustíveis nas alíquotas-teste. A exclusão anterior não apenas configurava um benefício fiscal não autorizado pela Emenda Constitucional 132/24, mas também comprometia a mensuração precisa da base de tributação dos combustíveis, um dos itens de consumo mais relevantes no novo modelo tributário. Essa demanda foi atendida parcialmente, garantindo a inclusão dos combustíveis para os anos de 2027 e 2028, mas deixando de fora o ano de 2026.
Houve ainda ajustes no texto referentes à metodologia de cálculo das alíquotas. Embora o tema permaneça definido em Lei Complementar, desrespeitando a autonomia federativa e a competência constitucional dos entes subnacionais, foi levemente reduzida com a exclusão da exigência de submissão dos cálculos ao Tribunal de Contas da União.
Preocupações
Apesar dos avanços, existem questões fundamentais que não foram contempladas e têm impactos significativos para a sociedade. A ausência de medidas claras para a Substituição Tributária representa um risco à arrecadação, contribuindo para a definição de alíquotas de referências em patamares superiores. A emenda do Comsefaz sobre o tema chegou a ser incluída no Senado Federal, sendo proposta pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
A Substituição Tributária é considerada crucial para garantir alíquotas sustentáveis e promover a justiça fiscal. Atualmente, cerca de 38% da arrecadação estadual provém de setores que exigem fiscalização complexa. A implementação da ST melhora a eficiência da arrecadação, reduz a informalidade e combate a concorrência desleal. Além disso, essa prática é reconhecida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como eficaz, especialmente no contexto brasileiro, onde a informalidade e as vendas a distância representam desafios significativos.
No que diz respeito ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, o principal avanço foi a inclusão de contrapartidas destinadas a fundos estaduais ou distritais, com aplicação em obras de infraestrutura pública. No entanto, mesmo após inúmeros alertas das Fazendas estaduais, o texto sofreu poucas alterações e continua a gerar insegurança jurídica, ao não contemplar de forma adequada os benefícios fiscais onerosos convalidados pela Lei Complementar 160/2017.
Outro ponto preocupante é a gestão do Cadastro de pessoas físicas e jurídicas. Na redação aprovada, será realizada via pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM), vinculado ao Simples Nacional. Na prática, significa o controle predominante do Governo Federal.
Esse modelo limita significativamente a autonomia dos Estados e Municípios, configurando um desequilíbrio institucional preocupante, vez que retira dos entes subnacionais a prerrogativa de administrar e gerir um cadastro essencial para o pleno exercício de sua competência tributária.
O retrocesso do Domicílio Tributário Eletrônico (DTE) é alarmante. O texto gera maior burocracia e custos desnecessários, compromete a eficiência e celeridade do processo administrativo em relação ao já praticado hoje, contrariando o objetivo central de uma reforma tributária moderna e simplificada.
Estados perdem com benefício à refinaria
A decisão da Câmara dos Deputados de manter os benefícios fiscais para refinarias de petróleo na Zona Franca de Manaus impacta negativamente a arrecadação e ameaça as refinarias nacionais. Segundo dados do setor, a ampliação da ZFM significa um aumento entre R$ 1,7 bilhão e R$ 3,5 bilhões anualmente de gasto tributário, comprometendo recursos essenciais para a manutenção de serviços públicos fundamentais.
Um dia antes da votação, o Comsefaz alertou sobre os impactos dessa ampliação dos benefícios fiscais à Zona Franca de Manaus (ZFM), incluída no PLP 68/2024 por meio de emenda do Senado Federal.
Essa medida cria uma concorrência desleal, prejudicando refinarias situadas fora da ZFM, que são responsáveis pela maior parte da produção nacional. Isso ameaça investimentos de longo prazo no setor, desestimula a produção interna, afeta a geração de empregos e prejudica o desenvolvimento da indústria nacional.
Além disso, pode elevar a dependência de combustíveis importados, colocando em risco a oferta no mercado interno e gerando instabilidade nos preços.
Próximos passos: PLP 108/2024
Uma inovação introduzida na fase final da tramitação da reforma tributária foi a criação de um Comitê Gestor temporário, com atuação até dezembro de 2025. A estrutura definitiva desse Comitê está prevista no PLP 108/2024, cuja aprovação deverá ser concluída no início do próximo ano legislativo.
A implementação dessa estrutura temporária visa a edição de atos normativos fundamentais à operação do novo sistema tributário. Grande parte do regulamento do IBS e da CBS deverá ser editado no próximo ano para viabilizar o início da transição em 2026. É essencial que o Comitê esteja instituído e com seus representantes designados para assegurar a participação ativa dos entes federativos na formulação dessas regras, em especial às comuns entre os tributos.
Embora a reforma tributária tenha representado avanços significativos, ainda há desafios importantes para os Estados, como a definição da substituição tributária, a governança de cadastros e a inclusão dos combustíveis na alíquota de referência.
O PLP 108/2024, além de estabelecer o Comitê Gestor em sua integralidade, também tratará de questões cruciais, como o contencioso tributário, a distribuição federativa de receitas, e a Lei Complementar do ITCMD. Sua aprovação será indispensável para corrigir fragilidades identificadas e garantir maior alinhamento aos interesses federativos no novo modelo tributário.
Fonte: Agência Senado