Substituição tributária do IBS e CBS e a Constituição

Enviado Terça, 17 de Dezembro de 2024.

A aprovação do PLP 68/2024 pelo Senado, em 12/12, foi mais um passo importante rumo à simplificação da tributação indireta brasileira. Embora a transição entre os anos de 2026 e 2032 aumente o nível de complexidade em curto e médio prazos, diante da coexistência de dois regimes, há uma expectativa de um sistema mais simples após percorrido o período de transição (ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2033).

Contudo, a inclusão no PLP da possibilidade de instituição de substituição tributária para a frente (ST) do IBS e da CBS trouxe uma desagradável surpresa e muita apreensão ao final da votação. Embora essa possibilidade constasse da Exposição de Motivos do PLP, poucos acreditavam que o deficiente instituto, amplamente utilizado no ICMS, poderia ter uma sobrevida, justamente por todos os problemas que causa no imposto estadual.

Nesse contexto, são muitas as razões para que a ST não seja aplicada ao IBS e à CBS, sobretudo pelas diretas violações a novos princípios e regras positivados pela EC 132/2023.

A mais evidente dessas inconstitucionalidades, sem sombra de dúvidas, é a violação ao princípio da simplicidade. Isso porque o atual sistema impõe aos contribuintes sujeitos ao ICMS-ST um complexo mecanismo de constantes mudanças de bases presumidas, deficientes processos de ressarcimento, inúmeras obrigações acessórias atreladas e acúmulos de créditos, em um sistema que aumenta em muito a burocracia e o tempo para que as empresas cumpram suas obrigações. Ainda que a centralização da nova ST no CGIBS e na RFB possa ser mais simples do que o pulverizado regime atual, fato é que agregará uma altíssima carga de complexidade a um novo sistema que pretendia ser simples. Basta lembrar que não apenas as bases de cálculo serão presumidas, tal como hoje ocorre com o ICMS-ST, mas também as alíquotas do IBS, considerando o princípio do destino e a possibilidade de distintas alíquotas instituídas pelos entes. Nesse contexto, qual alíquota aplicar no IBS-ST? Será a alíquota padrão?

Ainda com relação ao princípio do destino, poderá haver uma dificuldade de se destinar adequadamente a arrecadação do IBS ao estado e ao município de consumo final do bem, sobretudo nas cadeias de consumo em que os produtos percorrem muitas etapas até chegar ao consumidor final, o que pode ameaçar o pacto federativo. Além disso, diante do desconhecimento quanto ao local de consumo final do bem, será necessário fixar uma base de cálculo presumida nacionalmente, que necessariamente deverá espelhar o preço usualmente praticado, o que demandaria a realização de pesquisas em todos os estados e esforços ainda maiores do que hoje se vê com o ICMS para a obtenção dessas médias de preços. Mais um ponto contra a simplicidade.

O novo princípio da transparência também pode ser ameaçado, já que a carga tributária de IBS e CBS incidente nos produtos sujeitos à ST não necessariamente estará informada nos documentos fiscais emitidos para o consumidor, pois a informação pode ser perder no percurso.

A mesma dúvida se aplica à efetividade do cashback, cuja implementação pode ser dificultada com a ausência de informação precisa dos tributos nos documentos fiscais. Nesse ponto, é o combate à regressividade, também um novo princípio instituído pela EC 132/2024, que pode ser mitigado.

Preocupa também o silêncio do PLP 68/2024 quanto à aplicação do art. 150, § 7º, da CF/88, que garante a restituição do tributo caso não ocorra o fato gerador presumido ou caso a venda a consumidor final ocorra por valor inferior ao presumido, conforme garantido pelo STF. A ausência dessa previsão expressa deixa margem para que o CGIBS e a RFB não regulamentem essa restituição, o que acrescentaria mais uma inconstitucionalidade ao sistema.

Esse mesmo dispositivo (art. 150, § 7º), aliás, impõe que apenas lei pode atribuir a sujeito passivo a condição de substituto, não “ato conjunto” do CGIBS e da RFB, o que mitiga o princípio da legalidade.

Outro ponto negativo é o reflexo da ST nas bases do ICMS entre 2029 e 2032, já que o IBS-ST e a CBS-ST cobrados dos substitutos serão custo para as etapas seguintes da cadeia de circulação dos produtos e, portanto, comporão as bases de cálculo do imposto estadual. Embora os itens potencialmente sujeitos ao IBS-ST e à CBS-ST, na maioria dos Estados, já conte hoje com ICMS-ST, o que faria com que todos os tributos recolhidos por substituição (ICMS, IBS e CBS) possam incidir nas mesmas operações, fato é que operações interestaduais iniciam novas cadeias de incidência do ICMS nos estados de destino, incidências essas que terão o IBS-ST e a CBS-ST recolhidos anteriormente compondo indiretamente suas bases.

Por fim, até mesmo a neutralidade poderia ser ameaçada, eis que a ST apenas na venda a varejistas, conforme possibilidade prevista no PLP, poderá desencadear um movimento de faturamento ao consumidor final centralizado em etapas anteriores (indústria ou atacado), figurando o varejo como uma espécie de “show room” apenas para evitar os transtornos da ST. Embora seja bastante improvável que isso ocorra nos setores incluídos no PLP 68, pode ser uma realidade se a lista for ampliada.

Nesse ponto, vale lembrar que, embora sejam poucos os itens citados no PLP como sujeitos à ST, essa foi a realidade do ICMS-ST por décadas, até que, no final dos anos 2000, houve um grande incremento nos setores incluídos no regime. Nada impede que esse movimento se repita com os novos tributos.

Por tudo isso, deve ser rechaçada a tentativa de instituição da substituição tributária sobre o IBS e a CBS.

- Maurício Barros sócio da área tributária do Cescon Barrieu

Fonte: Jornal Valor Econômico - Por Mauricio Barros