Modelos, cores, placas e até Renavam das viaturas

Enviado Terça, 01 de Outubro de 2024.

Cláudio Castro anunciou na semana passada, num vídeo nas redes sociais, a compra de 38 novas viaturas descaracterizadas para a PM do Rio de Janeiro. Desde então, o governador tem sido criticado por adversários pela divulgação de informações que, na avaliação deles, podem colocar em risco os policiais que circulam à paisana dentro dos carros. Os comentários sugerem ainda que a exibição da marca e do modelo desses veículos disfarçados (são Nissan Kicks Active) prejudica os donos de carros semelhantes, já que os colocaria na mira de criminosos. 

As mensagens partem principalmente de aliados e apoiadores de Eduardo Paes. O prefeito, que tenta a reeleição pelo PSD, é oponente de Alexandre Ramagem, correligionário de Castro no PL. No debate sobre segurança pública, Paes vem associando a imagem de Ramagem ao desempenho controverso do governador no combate à violência. 

Só que o vídeo de Castro não é, nem de longe, o dado mais detalhado sobre as 38 viaturas que circulariam supostamente sem serem reconhecidas pelo Rio, reforçando a segurança. Marca, modelo, cores, placas e até números de Renavam de cada um dos automóveis estão disponíveis publicamente, sem qualquer barreira de sigilo, no Sistema Eletrônico de Informações (o SEI) do governo fluminense.

Trata-se de um processo de aquisição cujo total foi de R$ 4,3 milhões (R$ 114 mil por unidade), celebrado com a Nissan em agosto.

Graças a um atestado de recebimento de materiais assinado em 20 de agosto por fiscais da Diretoria de Transporte da PM, qualquer cidadão (incluindo os do crime organizado) pode saber, em poucos cliques, que a gestão Castro adquiriu Nissan Kicks Active nas cores preta (14 viaturas); prata (12 — as que aparecem no vídeo do governador) e branca (12). Todos os veículos foram fabricados em 2024 e são flex. Há uma nota fiscal para cada um, e os números delas também estão à disposição na internet.

Constam ainda dígitos referentes aos motores e chassis, além dos já citados sete dígitos que compõem as placas individuais de cada viatura “disfarçada”. Uma só lista reúne tudo isso. Outra, mostra fotos de cada um dos carros, com as placas aparentes (veja abaixo).

Governos podem decretar sigilo sobre documentos sensíveis da gestão pública. A Lei de Acesso à Informação, de 2011, prevê segredo para informações que possam “pôr em risco a segurança de instituições” ou “comprometer atividades de inteligência”. 

O time de Castro não só sabe dessa prerrogativa, como recorre a ela com alguma frequência. Num caso menos sensível, em julho, a gestão Castro manteve sob sigilo passagens aéreas da viagem dele a Lisboa para o Gilmarpalooza — a justificava era a presença de dados pessoais do governador.

Em janeiro de 2023, foram impostos cem anos de sigilo para a prestação de contas de uma ONG contratada pelo Ceperj (órgão que, segundo a procuradoria eleitoral do Rio, teria sido utilizado para turbinar financeiramente a reeleição de Castro em 2022).

Na contramão da publicidade ampla dada às viaturas descaracterizadas, Castro e seu governo são alvos de uma CPI da Transparência na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Duas semanas atrás, membros do secretariado dele foram cobrados por deputados, numa sessão do colegiado, justamente por documentos classificados como sigilosos (naquele caso, eram papéis relativos ao Rock in Rio). 

A respeito das viaturas, a PM, representada pelo secretário Marcelo Menezes, contrariou as críticas ao vídeo divulgado, ao dizer que “dar publicidade aos investimentos realizados é obrigação de uma gestão séria e comprometida com a transparência”. A avaliação do chefe da corporação, em defesa de Castro, foi de que “nada do que foi anunciado coloca em risco a estratégia de atuação da polícia”. Além disso, segundo Menezes, as viaturas descaracterizadas que foram anunciadas equivaleriam a uma parte da frota, composta de “veículos de diferentes marcas, modelos e cores”.

Fonte: O Globo - Coluna Lauro Jardim