Revisão de dívidas estaduais tem subsídio de R$ 48 bi e juro zero

Enviado Terça, 17 de Setembro de 2024.

A União, que paga uma conta de juros em suas costas superior a R$ 800 bilhões anuais, concederá subsídios financeiros aos governadores que estavam cumprindo suas obrigações em dia

O novo projeto de renegociação das dívidas dos Estados (PLP 121/2024) passou voando pelo Senado para pousar na Câmara. O governo Lula aceitou a condução do projeto por seu autor, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), candidato ao governo de Minas Gerais em 2026 - Estado que, por autorização do Supremo Tribunal Federal, não está pagando suas dívidas. O nó das dívidas estaduais de R$ 765 bilhões, após sucessivas revisões, é o comportamento dos maiores devedores - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul -, cujos débitos somam 90% do total. O governo paulista não tem problemas para pagamentos, mas os outros, sim. Para acomodar uma situação peculiar deles e não criar desbalanceamento, o PL estendeu melhores condições de pagamento, em geral, para todos os demais Estados que quiserem aderir.

O PLP permite que os Estados simplesmente fiquem sem pagar juro algum. E se todos escolherem do cardápio de opções (três) a que lhes for mais vantajosa - destinar toda a conta anterior de juros para um fundo de equalização e para investimentos -, a União arcará com um subsídio de R$ 48 bilhões anuais, pelos cálculos inéditos de Manoel Pires, do Observatório Fiscal do FGV-Ibre (Valor, 13 de setembro).

O governo petista deu a senha para a revisão de débitos ao lançar o programa Juros por Educação, sinalizando que aceitava mexer nos encargos financeiros dos Estados se gastassem mais em educação profissional. O PT não tem o menor problema em amortecer as condições de pagamento dos Estados porque já procedeu assim no passado. Em 2014, no governo Dilma, houve revisão que diminuiu os juros inclusive da Prefeitura de São Paulo, com o PT.

Mas a renegociação de dívidas dos Estados é uma das caixas de Pandora complexas de abrir. Os governadores arrancam sempre mais vantagens do que as inicialmente propostas e agora não foi diferente. O esquema aprovado lembra o mecanismo do novo regime fiscal - o aumento de gastos é o elixir que revigorará as receitas. Pelo PLP, os juros das dívidas, hoje de 4% mais o IPCA, poderão cair a zero. Nessa hipótese, considerada pelo economista Manoel Pires a mais vantajosa para os Estados, os governos teriam de destinar 2% a um Fundo de Equalização que será distribuído para investimentos pelas 27 unidades da Federação, e 2% poderão ser investidos pelo próprio Estado que fez a adesão, em um cardápio generoso e que é a verdadeira razão de ser das obrigações do poder público: educação profissional, habitação, transportes, saneamento, segurança pública, mudanças climáticas etc.

Os Estados mais ricos, com dívidas altas, poderão jogar os encargos financeiros delas para a União e ampliar os investimentos. Em geral, a União tem pouca capacidade, ou disposição política, de verificar onde o dinheiro está sendo de fato gasto. A vigilância será feita pelos Tribunais de Contas dos Estados, que não têm feito um serviço sequer próximo do adequado nesse ponto.

Os Estados ganharam possibilidade de empurrarem ativos para a União, entre eles participações societárias, participação nas estatais, bens móveis ou imóveis, cessão de créditos inscritos na dívida ativa e até mesmo direitos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, instituído pela reforma tributária para compensar perdas com ela, que só passarão a ter recursos na próxima década. A possibilidade de eliminar juros ocorrerá quando os Estados entregarem ativos correspondentes a 20% dos débitos, depositarem 1% no Fundo de Equalização e investirem 1%. Ou ainda, quando entregarem 10% do total da dívida em ativos, 1,5% no Fundo e 1% em investimentos. Na maior parte dos casos, mas não em todos, a economia com juros é superior ao desembolso de caixa que teria de ser feito na ausência da renegociação.

A exceção fica por conta dos Estados em Regime de Recuperação Fiscal, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas, que não aderiu ainda e nada paga. Por este regime, os Estados pagam 20% da parcela devida no primeiro ano, 40% no segundo até chegar aos 100% em cinco anos. As mesmas condições serão estendidas aos que trocarem o RRF pelo novo programa (Propag). A diferença a menor será incorporada ao saldo devedor após o quinto ano. Caso os grandes devedores façam a adesão, a conta de subsídios anual subiria para R$ 61,9 bilhões.

Há uma outra consequência da renegociação que marca uma diferença em relação às demais. Para Pires, haverá enorme redistribuição de recursos dos Estados mais ricos para os mais pobres e menos endividados. São Paulo, por exemplo, economizará R$ 17,8 bilhões em juros, o Rio, R$ 15,4 bilhões, Minas, R$ 9,1 bilhões, e Rio Grande do Sul, R$ 5,9 bilhões.

No fim das contas, a União transformará juros devidos em investimentos nos Estados na esperança de que os maiores devedores (exceto São Paulo, que está em dia) paguem ao menos o principal. Além disso, a União, que paga uma conta de juros em suas costas superior a R$ 800 bilhões anuais, concederá subsídios financeiros aos governadores que estavam cumprindo suas obrigações em dia. A dívida bruta aumentará e as contas da União vão piorar, sem garantia de que a dos Estados-problema melhorem.

Fonte: Jornal Valor Econômico