‘Nichos’ podem ser caminho para nova bolsa do Rio

Enviado Segunda, 08 de Julho de 2024.

Para especialistas, liquidez preocupa, mas segmentos têm potencial

As experiências de países com mais de uma bolsa consolidada indicam que o caminho dos mercados de “nicho” é o mais promissor para as novas entrantes no Brasil, de acordo com agentes ouvidos pelo Valor. Com o cenário de ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) morno, as oportunidades para a expansão do mercado de capitais devem estar em segmentos como operações de “block trade”, derivativos e mercado de carbono.

A American Trading Service (ATS), cuja sede foi confirmada no Rio na semana passada, pode começar com o pé direito. ATS é o nome provisório da nova bolsa carioca. O economista-chefe da Way Investimentos, Alexandre Espírito Santo, avalia que a nova bolsa tem a oportunidade de democratizar o capital a partir da busca por empresas menores. Ele explica como as 16 bolsas dos EUA convivem entre si, com nichos mais definidos.

“A Nasdaq é meio ‘nichada’, ela foi mais para o setor de tecnologia. Acho que, a priori, seria uma ideia boa que a nova bolsa encontrasse seu nicho e depois ir para small caps ou coisa do tipo”, diz o economista, que também é professor de economia e finanças do Ibmec-RJ.

O sócio e gestor da Novus Capital, Luiz Eduardo Portella, concorda que atrair pequenas e médias empresas para o mercado de ações é um possível diferencial da ATS em relação à B3. “É importante que a nova bolsa crie uma identidade própria e não fique só essa guerra de baixar preços. Com escassez de IPOs no Brasil, pode ser uma boa alternativa para trazer esse movimento de volta.”

Mais do que abrir fronteiras em nichos, o que os países com mais de uma bolsa com grande volume de negociações têm em comum é uma economia sólida, avalia o economista-chefe da Fami Capital, Gustavo Bertotti. “O mercado de capitais nos países desenvolvidos prospera porque eles já fizeram a lição de casa. Historicamente, eles têm juros baixos. Nos Estados Unidos, o investidor procura o mercado de ações no lugar da renda fixa porque, via de regra, para ele não é atrativo um rendimento baixo atrelado aos juros”, diz.

A nova bolsa do Rio tem outras fases para cumprir até o seu lançamento, que deve ocorrer no segundo semestre de 2025. Ainda em 2024, o sistema tecnológico já deverá funcionar. A partir daí, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) terão seis meses para testar os sistemas, e a Americas Trading Group (ATG), responsável pela gestão da nova bolsa, terá mais um semestre para colocá-la em funcionamento.

De início, serão negociadas ações no mercado à vista, cotas de fundos, de índices e aluguel de ações, este último com o objetivo de dar mais liquidez ao mercado. Nesse período, o mesmo ativo será negociado nas duas bolsas (o que só será possível graças ao contrato de depositária junto à B3), para que o investidor possa decidir qual a melhor cotação para ele. Para isso, as empresas de capital aberto vão precisar assinar um termo de adesão, sem custos adicionais, permitindo que as mesmas ações também sejam negociadas no pregão eletrônico da nova bolsa.

Há 12 anos, a ATG sofria impasses para abertura de sua “clearing” - o serviço de compensação e liquidação de ordens de compra e venda eletrônicas. Só no ano passado, quando a ATG foi comprada pelo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, o projeto de uma nova bolsa voltou a ganhar fôlego. O valor total aportado pelo Mubadala não foi divulgado, mas a quantia foi suficiente para a criação de uma nova clearing junto ao BC.

Em um segundo momento, a empresa pretende começar a listar empresas na bolsa carioca a custos mais acessíveis, o que pode estimular empresas menores a abrir capital. “Queremos reduzir o preço desse processo, que hoje em dia é muito caro. Não à toa, várias empresas fizeram sua listagem fora do país”, diz o CEO da ATG, Claudio Pracownik.

O executivo faz uma ressalva sobre o cenário macroeconômico brasileiro como parte importante para conseguir reduzir esses custos. Para ele, a Selic, hoje em 10,5% ao ano, precisa ser reduzida, e a questão fiscal, controlada antes.

A sugestão de nicho, no entanto, não agrada. Pracownik afirma que a nova bolsa pretende concorrer no mercado de capitais com a B3 no mesmo patamar, e cita o México e a Austrália como países com mais de uma bolsa competindo de igual para igual.

“Nos dois países existe uma concorrência pela eficiência e pelo produto. Os EUA são um país tão gigantesco que ele permite esse nicho. Agora, isso não impede que, no futuro, a gente tenha dentro da nossa bolsa uma parte só para commodities, outra para carbono, que a gente venha trabalhar com moedas digitais e tudo mais. Mas isso não é uma desvantagem competitiva.”

O ex-diretor da CVM Renê Garcia, que integrou o colegiado entre 1990 e 1992, lembra que, nos anos de ouro do mercado financeiro carioca, a Bolsa do Rio de Janeiro (BVRJ) e a então Bovespa, de São Paulo, tinham espaço: “O mercado do Rio era muito em cima de ‘blue chips’ e de opções, enquanto o mercado em São Paulo era mais pulverizado. Havia uma arbitragem do preço, ficava com a pequena variação entre as bolsas, as pessoas compravam em uma e vendiam na outra. Havia um ambiente sadio de negociação.”

Em 1989, a BVRJ entrou em crise com operações envolvendo o empresário Naji Nahas. Como consequência, houve redução significativa no volume de negócios e “exportação” da liquidez para São Paulo.

Fonte: Jornal Valor Econômico