Transação tributária no contencioso pode desestimular o ‘bom contribuinte’

Enviado Segunda, 07 de Março de 2022.

Dispositivo é bem-vindo e deve ser utilizado largamente por todos os interessados, mas pode ser melhorado

A transação tributária é, sem dúvidas, novidade que tem provocado amplo debate entre os operadores do direito, sobretudo entre aqueles que atuam no campo do direito tributário.

Como é sabido, a Lei 13.988/2020 estabeleceu os requisitos e as condições para que a União realize transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública.

A expressão “resolutiva de litígio” não foi empregada sem motivo pelo artigo 1º da referida lei. Com efeito, apesar de a transação, por si só, não provocar a extinção do crédito tributário – já que é o pagamento, ao fim e ao cabo, que extingue o débito –, esse instituto objetiva por fim a litígios entre Fazenda Pública e contribuintes.

A exposição de motivos da Medida Provisória nº 899/2019 (posteriormente convertida na Lei 13.988/2020) é clara nesse sentido, ao dispor que “a ausência de regulamentação, no âmbito federal, do disposto no artigo 171 do Código Tributário Nacional” resultava em “excessiva litigiosidade relacionada a controvérsias tributárias”.

E prosseguiu afirmando que a proposta ali endereçada 1) previa “modalidade de transação voltada à redução de litigiosidade no contencioso tributário, afastando-se do modelo meramente arrecadatório” e 2) atacava “gargalo do processo contencioso tributário, cujo estoque, apenas no Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), totaliza mais de R$ 600 bilhões, distribuídos em cerca de 120 mil processos”.

Dentro desse contexto, não se pretende colocar dúvida sobre os benefícios da transação tributária. Eles são enormes, a transação é bem-vinda e deve, sim, ser utilizada largamente por todos os interessados.

No entanto, pensamos que a transação tributária pode ser melhorada. Objetiva-se, aqui, endereçar problema (e possível solução) que diz respeito à destinação dos depósitos judiciais realizados por contribuintes que optam pela “transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica”, a qual chamaremos de “transação no contencioso”.

Nos termos do artigo 17, § 1º, I, “a”, da Lei 13.988/2020, a proposta de transação no contencioso será divulgada por edital, o qual definirá as exigências a serem cumpridas, as reduções ou concessões oferecidas, os prazos e as formas de pagamento admitidas.

Por sua vez, o artigo 6º, I, “h” da Portaria nº 247/2020, editada pelo Ministério da Economia exatamente para tratar dessa modalidade de transação, prevê que caberá ao edital definir “o tratamento a ser conferido aos depósitos existentes vinculados aos débitos a serem pagos ou parcelados”.

Logo, à luz desses comandos normativos, a União atualmente possui ampla liberdade para definir o tratamento a ser dado aos depósitos judiciais feitos pelos contribuintes em demandas tributárias.

E, sem causar muitas surpresas, o caminho que vem sendo escolhido pela Fazenda Pública pode ser verificado no item 2.5 do recente Edital 11/2021, o qual prevê que “os depósitos existentes vinculados aos débitos a serem quitados por meio da transação de que trata este Edital serão automaticamente convertidos em renda da União, hipótese em que as condições de pagamento serão aplicadas sobre o saldo remanescente do débito objeto da transação”.

Como se vê, as condições de pagamento favoráveis estabelecidas no edital – exatamente o que motiva o contribuinte a optar pela transação – somente são aplicadas ao valor da dívida que supera o montante depositado. Dito de outro modo, primeiro se utiliza todo o valor depositado e, se sobrar algo a pagar, o contribuinte pode fruir dos benefícios da transação tributária no contencioso.

Tal posicionamento, no nosso modo de ver, merece ser reavaliado pela União por pelo menos três motivos.

O primeiro deles é que, nos termos do artigo 151, II, do Código Tributário Nacional (CTN), apenas o depósito do montante integral do crédito tributário suspende a sua exigibilidade. Logo, na grande maioria dos casos, o depósito judicial não decorre de simples vontade do contribuinte, mas de verdadeira necessidade.

Com efeito, o contribuinte que tem a intenção de discutir eventual crédito tributário no âmbito do Poder Judiciário não pode conviver com atos de cobrança e expropriação de patrimônio. Isto é, a “opção” pelo depósito judicial muitas vezes tem como escopo impedir que a discussão do crédito tributário resulte em inúmeros transtornos de ordem patrimonial.

É bem verdade que o seguro garantia também é uma opção, no entanto, é cada vez mais visível a pretensão da União de liquidar essa modalidade de garantia (conversão do seguro em depósito judicial) logo após eventual decisão de primeira instância desfavorável ao contribuinte, com recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo.

Em suma, é comum que o depósito judicial seja a única saída do contribuinte para que o crédito tributário possa ser questionado no Poder Judiciário sem maiores problemas.

O segundo motivo é que o depósito judicial evidencia a intenção do contribuinte de realmente discutir o crédito tributário, e não de se furtar ao pagamento.

Ora, nos casos em que o contribuinte pretende tão somente postergar o pagamento do débito, é evidente que o depósito judicial será sua última opção. Na prática, o crédito tributário é inscrito em dívida ativa, a execução fiscal é ajuizada e, quando citado, o contribuinte sequer apresenta garantia.

O resultado disso é conhecido: há enorme energia empregada pela Fazenda Pública para o ajuizamento de execuções fiscais que, ao cabo de tudo, são absolutamente infrutíferas.

Por outro lado, o contribuinte que deposita judicialmente os valores controvertidos demonstra que sua ação judicial não é meramente protelatória, já que os valores depositados são integralmente convertidos em renda da União caso esta se sagre vencedora.

Como terceiro motivo, destaca-se que a realização de depósitos judiciais impacta o caixa de qualquer empresa, desde aquelas que apuram lucros, até aquelas que, mesmo com prejuízo, fazem grande esforço para dispor da quantia depositada.

No primeiro caso, a empresa com superávit poderia empregar os valores na consecução das suas atividades, aumentando ainda mais seus ganhos – o que se espera de qualquer pessoa jurídica. No segundo caso, os valores depositados poderiam ser usados para pagamento de salários, dívidas ou fornecedores, aliviando a situação de instabilidade financeira da empresa.

Portanto, uma coisa é fato: a realização de depósitos judiciais impacta, em maior ou menor grau, a própria atividade da pessoa jurídica.

Diante desse contexto, conclui-se que o procedimento atualmente adotado pela União quanto à utilização dos depósitos judiciais desestimula o “bom contribuinte” a optar pela transação tributária no contencioso.

Com efeito, se não alterado esse posicionamento, a Fazenda Pública acabará privilegiando o contribuinte que não deposita judicialmente os valores objeto da controvérsia jurídica.

E não é só. Nos casos em que o valor depositado é equivalente ao montante integral do crédito tributário, o contribuinte que realizou o depósito não terá qualquer benefício, o que foge de qualquer razoabilidade.

É até compreensível que o montante integral depositado não possa ser levantado pelo contribuinte que opta pela transação no contencioso. Isso porque, além de o dinheiro ser a garantia mais líquida existente, o contribuinte poderia deixar de cumprir o acordado na transação logo após ter levantado os valores depositados.

No entanto, como alternativa e possível solução para o problema, poderia se permitir ao menos o levantamento de parte dos depósitos judiciais, o que atenuaria a situação de desequilíbrio atualmente implementada pela União.

Frisa-se que a liberação de parte dos depósitos estaria em consonância com a própria inteligência do artigo 171 do Código Tributário Nacional, o qual prevê que a transação deve ser celebrada “mediante concessões mútuas”.

Espera-se, portanto, que o tema seja reavaliado pela União, o que certamente fará com que a adesão à transação no contencioso seja ainda maior, alcançando-se seu objetivo final que é a redução da litigiosidade.

 
 
 
 
 

Fonte: Site Jota