Decisão do STF não resolve crise fiscal fluminense

Enviado Quinta, 03 de Julho de 2025.

Liminar de Toffoli traz alívio, mas, enquanto não fizer ajuste robusto nas contas, estado precisará de socorro

A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de prorrogar até o fim do ano a permanência do Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dá algum fôlego às combalidas finanças fluminenses. O estado poderá continuar pagando parcelas mais suaves da dívida que, no mês passado, chegou a R$ 224 bilhões, além de ganhar tempo para negociar adesão ao novo programa federal de financiamento, o Propag. Mas o governo precisa ter em mente que, se não promover um ajuste robusto nas suas contas, logo estará novamente batendo à porta da União ou da Corte em busca de socorro.

No entendimento de técnicos federais, o Rio descumpriu as regras do RRF ao tomar decisões — como aumento salarial para servidores — que geraram rombo de mais de R$ 3 bilhões em 2023. O governo fluminense contesta e recorreu ao STF. Toffoli manteve o Rio no RRF e estabeleceu um teto de R$ 4,9 bilhões por ano para pagamentos da dívida (equivalente ao de 2023). Não tivesse conseguido um novo respiro, o Rio poderia ser obrigado a quitar R$ 8,2 bilhões até o fim do ano.

Independentemente do alívio, a situação do Rio é crítica. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pela Assembleia Legislativa prevê déficit de R$ 15,98 bilhões em 2026, situação que invariavelmente resultará em mais endividamento. Já se projeta redução de 43% nos investimentos públicos (de R$ 5,2 bilhões para R$ 2,98 bilhões). Enquanto o governo fluminense empurra o problema, a dívida só faz crescer. Como mostrou reportagem do GLOBO, passou de R$ 177 bilhões em 2022 para R$ 192 bilhões em 2023. No ano passado, subiu para R$ 218 bilhões. A previsão é que cresça até 2030, quando chegaria a R$ 231 bilhões. Só então poderá começar a cair.

Um comunicado do Palácio Guanabara diz que a liminar de Toffoli “evitará o colapso das finanças do Rio de Janeiro”. É verdade. Mas o estado não pode ficar dependendo de liminares da Justiça para equilibrar suas contas, enquanto a gastança só aumenta. O alívio trazido pelos programas de recuperação fiscal não tem bastado para tirar o Rio do buraco. Melhor seria ajustar os gastos à realidade. Em 2024, a arrecadação foi de R$ 106,1 bilhões, mas a despesa chegou a R$ 108,5 bilhões. Apesar da deterioração, não se cogita reduzir gastos com pessoal ou incentivos fiscais, muitos de retorno duvidoso para a sociedade. Nos 12 meses encerrados em abril, a folha de pagamento, de R$ 43,9 bilhões, correspondeu a 45,2% da Receita Corrente Líquida, mais de R$ 1 bilhão acima do limite de alerta previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. O cenário não é animador.

A população fluminense sabe bem o que significa um colapso. Em 2016, foi decretada calamidade pública devido à crise financeira. O cenário era caótico. Com os cofres vazios, unidades de saúde restringiram atendimento, repartições não tinham dinheiro para pagar água e luz, salários atrasaram ou tiveram de ser parcelados, fornecedores deixaram de receber, o policiamento ficou comprometido. O fantasma do colapso financeiro continuará a rondar o Palácio Guanabara enquanto o estado não ajustar suas despesas. A permanência num regime de recuperação fiscal pressupõe contrapartidas — medidas convincentes de austeridade —, ou então tudo não passa de encenação. O Rio ganhou sobrevida, mas a bomba fiscal não foi desarmada, apenas atrasada por mais um período.

Fonte: O Globo