PEC 45 e a promulgação de parte da reforma
Enviado Sexta, 17 de Novembro de 2023.É essencial que não haja o “fatiamento” da PEC 45, e que somente haja a promulgação da emenda constitucional quando a Câmara dos Deputados votar as alterações aprovadas no Senado
As aprovações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado foram um marco muito importante na mudança do sistema tributário brasileiro. Isso porque, como já muito divulgado, a PEC 45 implica a extinção dos atuais tributos sobre o consumo (PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS) ao longo de sete anos e a sua substituição por dois tributos sobre o valor agregado, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
No entanto, o texto aprovado pelo Senado não é idêntico àquele aprovado pela Câmara, de tal maneira que as alterações introduzidas pelo Senado terão que ser avaliadas e votadas pela Câmara, novamente em duas votações, com aprovação de três quintos dos deputados federais.
Dentre as alterações feitas pelo Senado, destacam-se (a) a inclusão de mais produtos e serviços em alíquotas reduzidas a zero (como o caso de automóveis para pessoas com deficiência), em 60% (exemplo - setor de eventos e alimentos destinados ao consumo humano), ou em 30% (serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística); (b) criação de regimes específicos para mais setores, tais como serviços de saneamento e concessão de rodovias; (c) inclusão de regime favorecido para hidrogênio verde; (d) alterações relativas ao Imposto Seletivo, com a determinação de incidência monofásica, exclusão do tributo de sua própria base de cálculo e exclusão de energia elétrica e telecomunicações do seu âmbito de aplicação; e (e) substituição do Conselho Federativo pelo Comitê Gestor, com limitações a suas competências. Assim, o Senado fez modificações importantes às regras constitucionais aplicáveis aos novos tributos.
As notícias recentes dão conta da possibilidade de o Congresso Nacional promulgar uma emenda constitucional com a parcela incontroversa, ou seja, a parcela da PEC 45 aprovada pela Câmara dos Deputados que não sofreu alterações no Senado. Em havendo a publicação como emenda constitucional do texto inalterado pelo Senado, essa emenda traria as definições estruturais da PEC 45, que envolvem as definições de CBS/IBS e regras de transição, dentre outros dispositivos.
Do ponto de vista estrutural do IBS, para que houvesse a efetiva criação desse tributo, faltaria a legislação constitucional sobre o Comitê Gestor, entidade que terá a responsabilidade de regulamentar e administrar o tributo. Sem que haja as aprovações necessárias ao texto que cria o Comitê Gestor, a implementação do IBS fica comprometida. Assim, a proposta de texto constitucional sobre o Comitê Gestor é algo que muito provavelmente será objeto de aprovação pelo Congresso Nacional.
No entanto, como ficam as alterações feitas pelo Senado que não comprometem a estrutura do IBS, mas melhoram o ambiente de negócios para uma série de atividades, como o caso das que estabelecem alíquotas reduzidas ou permitem a criação de regimes tributários especiais? Essas alterações, para que entrem em vigor como emenda constitucional, também dependem da aprovação da Câmara dos Deputados em dois turnos.
Em outras ocasiões, o “fatiamento” de emenda constitucional, criando as chamadas “PECs Paralelas”, fizeram com que esses novos projetos de emendas constitucionais, contendo a parte do texto que tenha sido alterada pela Casa Legislativa revisora, fossem aprovados muito tempo depois, ou nem chegassem a ser aprovado.
A PEC 06/2019, que tratou da Reforma da Previdência, é um exemplo disso. A parte do texto aprovado sem modificações pela Câmara e pelo Senado resultou na Emenda Constitucional 03/2019. A parte do texto que dependia de novas votações para sua aprovação resultou na PEC Paralela 133/2019, que não foi aprovada até os dias atuais. Outro exemplo, também no campo previdenciário, foi a PEC 67/2003, cuja parcela alterada resultou na PEC paralela 77/2003, aprovada somente em 2005.
Adicionalmente, em havendo o “fatiamento” da PEC 45, o interesse e urgência de se aprovar as mudanças promovidas pelo Senado mudam na medida que, à exceção da definição do Comitê Gestor, não comprometem a possibilidade de se criar o IBS e a CBS.
Há que se considerar que estamos no fim do ano, com poucas semanas para o recesso legislativo, para o período de festas e de férias, além de o Congresso Nacional estar com diversas matérias muito importantes sob discussão, além de ainda não ter aprovado leis orçamentárias para 2024.
Com esse cenário, existe a possibilidade real de o “fatiamento” poder implicar atraso na análise das importantes alterações propostas pelo Senado, ou ainda o risco de essas alterações, à exceção das relativas ao Comitê Gestor, não serem votadas pela Câmara dos Deputados e, com isso, nunca entrarem em vigor.
Portanto, é essencial que não haja o “fatiamento” da PEC 45, e que somente haja a promulgação da emenda constitucional quando a Câmara dos Deputados votar as alterações aprovadas no Senado.
- Ana Cláudia Akie Utumi é sócia de Utumi Advogados, professora do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), da Universidade de Zurique e de cursos de pós-graduação.
Fonte: Jornal Valor Econômico - Por Ana Cláudia Akie Utumi