Entenda como uma vírgula errada deve trazer alívio de dezenas de bilhões para as contas da União

Enviado Sexta, 14 de Abril de 2023.

Uma vírgula pode levar a uma queda bilionária nas estimativas de risco da União que integram o Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. Houve um erro de preenchimento no valor de estimativa de perda do processo de indenização à massa falida da Vasp que fez o valor de R$ 9,5 bilhões ser registrado como R$ 95 bilhões na LDO de 2023.

O aumento bilionário se deve a um erro no preenchimento do documento, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU). O dado foi enviado ainda na gestão passada, de acordo com o órgão. Foi replicado no Balanço Geral da União, publicado no começo do mês, levando a reclamações por parte de pessoas que acompanham o caso da Vasp.

O processo já aparecia no Anexo de Riscos Fiscais. Na LDO de 2022, o valor estimado era de R$ 8 bilhões. O valor atualizado pela correção monetária, R$ 9,5 bilhões, entraria no anexo do ano seguinte mas acabou sendo registrado como R$ 95 bilhões, valor que foi repetido no Balanço Geral da União.

O valor que consta no documento oficial foi questionado pelo Valor. Após averiguação interna, a AGU pediu a retificação do valor de R$ 95 bilhões para a Secretaria do Tesouro Nacional, que confirmou que o valor será corrigido no Riscos Fiscais da LDO de 2024. O erro foi confirmado nesta semana.

Apesar de os valores serem enviados para a Secretaria do Tesouro, a conta da estimativa de risco nesse tipo de processo é feita pela AGU. Existe a avaliação no Tesouro de que não é possível avaliar todos os casos enviados pelo órgão jurídico do governo.

Não é incomum que advogados questionem os valores apresentados pela União no anexo de Riscos Fiscais, especialmente os casos tributários. Alguns alegam que a União acaba aproveitando para estipular os valores mais altos, como uma tentativa de influenciar os julgadores indicando que eles poderiam causar uma conta impagável.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já resolveu uma tese estimada em R$ 250 bilhões, com derrota para a União, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Na chamada “Revisão da vida toda”, o INSS estima que o julgamento favorável aos beneficiários pode levar a uma conta de R$ 120 bilhões em pagamentos retroativos. E há outros casos da mesma grandeza que ainda aguardam julgamento.

O advogado tributarista Breno Vasconcelos, que é professor do Insper, questionou a forma de cálculo da União no caso do ICMS-PIS/Cofins. “O uso dessas informações tem sido feito como estratégia processual pela advocacia pública para aumentar as chances de vitória da União nos casos. Foi o que apontamos no caso do ICMS na base do PIS/Cofins”, afirma.

Apesar de ser um erro formal (a falta de uma vírgula), a confusão é grave, segundo o professor, porque o documento informava que o risco fiscal da União era R$ 85,5 bilhões maior do que efetivamente é. O advogado lembra que o anexo foi criado pela Lei de Responsabilidade Fiscal como instrumento para a melhoria da gestão fiscal e do planejamento orçamentário da União.

Ainda que as regras para indicação de risco pela União sejam diferentes das aplicadas às empresas, a necessidade de justificar e mapear os riscos tem o mesmo motivo, segundo Vasconcelos. “No caso das contas públicas, é preciso que haja previsibilidade dos impactos e transparência para os destinatários dessa informação, desde investidores até a sociedade em geral”, disse.

O caso de R$ 9,5 bilhões trata do congelamento das tarifas aéreas na época dos planos econômicos nos anos 80 e 90. A União indica no balanço que ficou sem saída processual na ação, que discute a indenização solicitada pela empresa.

A Vasp prestou serviços de transporte aéreo por meio de concessão de serviço público pactuada com a União. As tarifas praticadas pelas empresas de transporte aéreo de passageiros, cargas e mala postal eram controladas pela União, seguindo a política econômica adotada entre 1986 a 1992. O STJ considerou, na decisão, que a intervenção era “pública e notória”.

A empresa alegou no caso que a adoção de políticas públicas, notadamente a edição do Plano Cruzado, de 1986, que impôs o congelamento de preços, resultou em defasagem das tarifas praticadas no transporte aéreo afetando “de forma brutal” a equação econômico-financeira do contrato de concessão celebrado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou pedido feito pela Vasp e determinou que o valor a ser indenizado seja apurado em futura liquidação. Em 10 de novembro de 2022, decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin negou o pedido feito pela União em recurso. A partir daí a ação judicial passou de a ser classificada como de perda provável em 2022.

Fonte: Jornal O Globo